Um estudo recente realizado pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) revelou que cerca de 25% dos projetos de lei destinados a criar políticas públicas na área da saúde no Brasil reproduzem ou sobrepõem normas já existentes. Essa pesquisa, que faz parte do Radar Político da Saúde, aponta uma preocupante escassez de propostas verdadeiramente estruturantes que venham a beneficiar o Sistema Único de Saúde (SUS) e, ao mesmo tempo, destaca a distância entre as propostas legislativas e os grupos historicamente marginalizados, como mulheres, povos indígenas, comunidades tradicionais e pessoas em situação de rua.
Superposição e ineficiência nas propostas legislativas
Segundo o levantamento, ao longo do último ano, 585 textos relacionados à saúde foram propostos no Senado e na Câmara dos Deputados, mas 37% deles contrariam ou duplicam normas já existentes no SUS. Destes projetos, apenas 10% têm como objetivo o aprimoramento do sistema público de saúde, enquanto 14% abordam campanhas simbólicas e efemérides, como o “Dia Nacional dos Cuidados com as Mãos” e o “Dia Nacional do Sono”. Essa duplicidade e falta de inovação levantam questões sobre a eficácia das propostas legislativas atuais.
A gestora de relações institucionais do IEPS, Rebeca Freitas, observou que 40% das propostas legislativas na área da saúde apenas complementam políticas públicas existentes, sem provocar um fortalecimento estrutural do SUS. Essas iniciativas muitas vezes tratam de aspectos periféricos ou formais, refletindo uma abordagem superficial das questões de saúde.
A velocidade da política e seus reflexos
Rebeca Freitas sugere que essa efetivação de projetos pouco efetivos reflete a pressão por agilidade na tramitação dos temas no Congresso, frequentemente influenciada por interesses eleitorais e pela dinâmica das redes sociais. “A gente sabe empiricamente que existem incentivos políticos por trás dessas proposições, ditados pelo timing da internet. Muitas vezes, o foco é em temas quentes para conquistar capital eleitoral, levando a pouca atenção para proposições que já existem e para a apresentação de políticas estruturantes”, explica Freitas.
A pesquisadora cita, como exemplo, o grande volume de propostas sobre adultização que surgiram na Câmara após a repercussão de uma denúncia feita por um influenciador digital. Apesar dessa mobilização, Freitas aponta que a proposição de maior avanço, apresentada pelo senador Alessandro Vieira, seria uma exceção, com potencial para se tornar uma política estruturante que poderia impactar a saúde mental de crianças e adolescentes.
Marginalização de grupos vulneráveis
Outro ponto alarmante levantado pela pesquisa é a falta de foco nas populações mais vulneráveis. Apenas 19% das 249 propostas legislativas identificaram públicos específicos como alvo. Dentre elas, apenas 38 trataram da saúde das mulheres, predominantemente abordando temas relacionados à maternidade. Grupos como povos indígenas, população em situação de rua e comunidades tradicionais tiveram uma representação abaixo de 3%, evidenciando uma lacuna significativa nas propostas legislativas.
Impacto nas políticas de saúde mental
A pesquisa também destaca propostas que contrariam os princípios da Reforma Psiquiátrica e da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), como aquelas que preveem a internação involuntária de pacientes sem a devida autorização judicial. Esses dados apontam para uma necessidade urgente de reevaluar como as políticas públicas de saúde são formuladas e implementadas, especialmente em áreas críticas como a saúde mental.
Por fim, o levantamento sugere que enquanto algumas propostas avançam na tramitação, muitas permanecem desconectadas das realidades enfrentadas pelas populações mais vulneráveis. Portanto, é imprescindível que o Congresso busque não apenas criar novas normas, mas que se comprometa a desenvolver políticas públicas que realmente atendam às necessidades da população brasileira, especialmente aquelas que mais carecem de atenção e recursos.
O estudo do IEPS lança luz sobre a necessidade de transformação na abordagem legislativa em saúde no Brasil, enfatizando a importância de propostas que sejam não só inovadoras, mas também inclusivas e estruturantes para o SUS.