Ao menos 563 trabalhadores recrutados das regiões Norte e Nordeste do Brasil foram resgatados de condições degradantes em uma obra de uma usina de etanol em Porto Alegre do Norte (MT). A fiscalização, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e do Ministério Público do Trabalho (MPT), teve início após um incêndio provocado por trabalhadores protestando contra a má prestação de serviços, no dia 20 de julho. A situação revelada indica graves violações trabalhistas, incluindo trabalho escravo, aliciamento ilegal e abandono.
Condições precárias e protesto por melhorias
Os auditores encontraram trabalhadores alojados em dormitórios de apenas 12 m², que abrigavam até quatro pessoas sem ventilação adequada ou climatização. Esses alojamentos, além de serem insalubres, contribuíam para o risco à saúde dos operários, especialmente diante do calor extremo na região. Após o incidente, alguns trabalhadores foram transferidos para casas e hotéis na região, a cerca de 30 quilômetros do local de trabalho.
O incêndio, que atingiu parte dos alojamentos, foi provocado pelos próprios trabalhadores em protesto contra as falhas constantes no fornecimento de energia elétrica e água potável, condições que comprometiam o descanso e a saúde deles. Relatos indicam ainda a perda de bens pessoais no fogo, alguns inclusive de trabalhadores que tiveram de ser realocados em ginásios de esportes em cidades próximas.
Irregularidades e esquema de exploração
A fiscalização constatou que a empresa não emitiu as Comunicações de Acidente de Trabalho (CATs) para os operários feridos, dificultando o acesso a benefícios previdenciários e assistência médica. Além disso, identificou-se um esquema de aliciamento por dívida, com recrutamento feito por carros de som e mensagens em grupos de WhatsApp, prometendo altos ganhos por horas extras, muitas vezes pagas por fora ou descontadas ilegalmente dos salários.
Relatos de operários revelaram que trabalhavam semanas seguidas, inclusive aos domingos, sem folgas, em clara violação à legislação trabalhista. Houve também o uso de sistema paralelo de controle de jornada, conhecido como “ponto 2”, em que horas extras eram registradas de forma irregular, sem registro formal nos contracheques, FGTS ou contribuições previdenciárias.
Medidas compensatórias e direitos dos trabalhadores resgatados
Apesar das violações, a empresa manifestou interesse em firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho. Como parte do acordo, estão previstas ações como o custeio do retorno dos trabalhadores aos seus estados de origem, a devolução de valores cobrados indevidamente na viagem e o pagamento de R$ 1.000,00 a cada trabalhador como indenização pelos bens pessoais perdidos no incêndio.
Além disso, a fiscalização garantiu o pagamento de todas as verbas rescisórias, incluindo salários “por fora”, horas extras, férias proporcionais, 13º salário, FGTS, entre outros direitos trabalhistas. Os trabalhadores resgatados receberão o seguro-desemprego na modalidade especial, voltada a vítimas de trabalho análogo à escravidão, assim como serão encaminhados à rede de assistência social para acompanhamento e acolhimento.
O que caracteriza trabalho análogo à escravidão?
Segundo o Código Penal, trabalho análogo à escravidão é aquele que submete o trabalhador a condições degradantes, jornadas exaustivas ou restrição de liberdade por dívida contraída com o empregador ou preposto. Além de direitos básicos, os trabalhadores resgatados têm direito ao Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado (SDTR), pago em três parcelas de um salário-mínimo cada.
Caso queira denunciar casos semelhantes, o Sistema Ipê é o canal oficial, acessível pela internet, onde é possível fazer denúncias de forma anônima. Essas informações auxiliam na fiscalização e na repressão a esse tipo de crime.
Este episódio reforça a necessidade de combate contínuo ao trabalho escravo no Brasil, que, apesar de avanços, ainda resgata mais de 65 mil pessoas nos últimos 30 anos, conforme dados do Observatório da Escravidão.
Para mais informações, acesse a notícia completa no site do G1.