A tentativa de um credor de suspender a carteira nacional de habilitação (CNH) de um devedor como forma de forçá-lo a pagar uma dívida foi barrada pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT). Em decisão unânime, a Quarta Câmara de Direito Privado negou provimento a um agravo de instrumento e manteve o indeferimento da medida coercitiva, evidenciando questões importantes sobre a eficácia de tais ações.
A decisão do Tribunal de Justiça
O entendimento judicial é de que não havia demonstração concreta da eficácia da suspensão ou da frustração dos meios tradicionais de cobrança. O credor alegou que o devedor estaria ocultando patrimônio e dificultando a execução de um título extrajudicial. Com base no artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil, o credor pediu ao juízo de Primeiro Grau a suspensão da CNH como medida atípica de coerção. No entanto, o pedido foi negado e essa decisão foi mantida em Segundo Grau.
Critérios para medidas coercitivas
A desembargadora Anglizey Solivan de Oliveira, relatora do recurso, destacou que a adoção de medidas que interferem em direitos fundamentais exige critérios rigorosos. Ela afirmou: “Embora o art. 139, IV, do CPC não exija expressamente o esgotamento prévio dos meios típicos, sua aplicação deve observar os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e subsidiariedade.”
Segundo a decisão, o próprio credor mencionou que tinha identificado movimentações financeiras em nome de terceiros e chegou a solicitar o bloqueio de valores dessas pessoas. No entanto, esse pedido foi indeferido, uma vez que a via utilizada não era adequada. Além disso, o juízo de origem constatou que não havia uma relação clara entre a suspensão da CNH e a quitação da dívida.
Falta de relação entre medidas e dívidas
Em sua argumentação, a desembargadora ressaltou que “o exequente deixou de demonstrar a relação de causa e consequência entre a proibição de dirigir e a satisfação do título exequente, evidenciando a falta de razoabilidade da medida”. O colegiado lembrou ainda que a execução deve recair sobre o patrimônio do devedor e que a imposição de restrições pessoais, como a cassação de passaporte ou CNH, só se justifica em casos excepcionais.
“A adoção de medidas que atinjam diretamente a esfera pessoal do executado, sem utilidade concreta na obtenção do crédito, representa desvio de finalidade executiva”, pontuou a desembargadora.
Com isso, foi mantida a decisão que negou a medida, estabelecendo a tese de que medidas atípicas só são cabíveis quando os meios típicos de execução forem insuficientes e houver demonstração clara de que a restrição poderá de fato contribuir para o cumprimento da obrigação.
Implicações da decisão
A decisão do TJMT tem importantes implicações para o sistema de cobrança de dívidas no Brasil. Ao reforçar a necessidade de medidas coercitivas que sejam efetivamente justificadas e proporcionais, a corte estabelece um precedente que pode influenciar outros casos similares no futuro. Além disso, essa determinação pode ser vista como uma proteção aos direitos dos devedores, evitando que medidas extremas sejam tomadas sem uma justificativa clara.
Outro ponto relevante é que a decisão pode servir como um alerta para credores que buscam soluções não convencionais para a cobrança de dívidas. A simples alegação de ocultação de patrimônio ou dificuldades na execução não é suficiente para justificar restrições tão severas sobre a liberdade de um indivíduo, como a suspensão da CNH.
Assim, a jurisprudência continua a se desenvolver em torno do equilíbrio entre os direitos dos credores e dos devedores, buscando sempre uma aplicação justa e razoável do Direito.