Uma investigação detalhada aponta que cerca de R$ 28,2 bilhões provenientes de esquemas do tráfico de drogas e armas foram movimentados nos últimos seis anos por meio de oito fintechs e bancos digitais ligados ao crime organizado no Brasil. Essas empresas, que prestam serviços financeiros inovadores, passaram a ser alvo das autoridades após suspeitas de lavagem de dinheiro ligadas às maiores facções criminosas do país, PCC e Comando Vermelho.
Como criminosos usam fintechs para lavar dinheiro
De acordo com as investigações, criminosos utilizam diferentes métodos para ocultar recursos ilícitos, como o fracionamento de grandes transações em operações menores, além de abrir contas de “laranjas” e empresas de fachada. Essas ferramentas facilitam a transferência de valores sem o acompanhamento das autoridades, além de converterem dinheiro sujo em criptomoedas, dificultando o rastreamento. Especialistas afirmam que as fintechs estão substituindo doleiros e se tornam verdadeiros “paraísos fiscais” online, como explicou o promotor Fábio Bechara, do Ministério Público de São Paulo.
Segundo o promotor, “é altamente vantajoso: melhor que ‘laranjas’, pois se pode abrir um banco digital, comprar criptoativos e movimentar dinheiro no mundo todo”.
Controle fraco e vulnerabilidades no sistema financeiro
O relatório do Globo, baseado em mais de 3 mil páginas de documentos e operações policiais, revela que as fintechs utilizadas pelo crime operam com pouca fiscalização, permitindo a movimentação de recursos de origem ilícita. O Banco Central (BC) informa que realiza fiscalização contínua e aprimora a regulação para combater essas ações, mas o problema persiste devido à limitação na fiscalização de algumas empresas nesse segmento.
Casos e suspeitas de ligação com facções criminosas
Um caso emblemático é o da fintech 4tbank, fundada em 2019, que movimentou cerca de meio bilhão de reais em quatro anos. Apesar de sua jovem administradora, uma mulher de 24 anos, o verdadeiro responsável seria seu padrasto, João Gabriel de Mello Yamawaki, que estaria em vias de se envolver com o PCC. Yamawaki está foragido, e a defesa nega ligação com facções, alegando que há provas de sua legalidade. A Polícia Civil aponta que ele estaria sendo preparado para uma função na estrutura financeira do PCC.
Outro esquema grave envolve a 2GO Instituição de Pagamento, criada em 2020, que movimentou aproximadamente R$ 6 bilhões em operações internacionais, utilizando moedas digitais como USDT e contas de fachada em diversos países. A fintech foi alvo de denúncias do Ministério Público, que afirmou que os recursos eram provenientes de tráfico e fraudes digitais, enquanto a defesa da empresa nega qualquer irregularidade.
O impacto do crime no tráfico internacional
Investigações revelam também que o PCC aprendeu com máfias estrangeiras, especialmente a ‘Ndrangheta, no uso de criptomoedas e plataformas de trading clandestinas, para movimentar recursos internacionais. Promotores destacam que esse método é mais vantajoso do que o uso de “laranjas” e permite a lavagem de dinheiro de forma mais eficiente, fortalecendo alianças criminosas transnacionais.
Blindagem patrimonial e dificuldades na fiscalização
As operações também envolvem a criação de “contas bolsão”, que conferem proteção contra bloqueios judiciais e rastreamento. Essas contas vinculadas às fintechs permitem que criminosos ocultem bens e recursos financeiros, dificultando a ação das autoridades. Delegados da Polícia Federal afirmam que essa prática prova a dimensão do problema, que cresce com a facilidade e o silêncio em torno desses mecanismos.
Em nota, o BC declarou que atua com fiscalização constante e melhoria regulatória. Ainda assim, o sistema permanece vulnerável, por conta da baixa supervisão de muitas fintechs que operam com pouca ou nenhuma autorização oficial, facilitando o crime organizado a escapar das ações policiais.
Perspectivas e desafios futuros
Especialistas alertam que o avanço das fintechs no Brasil e a infiltração do crime no segmento representam um grande desafio para as autoridades. As denúncias reforçam a necessidade de aumentar a fiscalização, fortalecer a regulamentação e ampliar o controle dos recursos digitais utilizados por organizações criminosas no país.
A investigação continuará a identificar novas operações que potencializam esse esquema de lavagem de dinheiro, visando desmantelar o funcionamento de empresas que se dedicam a atuar ao lado do crime, ampliando os esforços de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do tráfico internacional.