Criado em 2014 na esteira dos protestos que sacudiram o país no ano anterior, o Movimento Brasil Livre (MBL) está prestes a fundar seu partido próprio: o “Missão”, como foi batizado. Com o propósito de reunir egressos do movimento espalhados por outras legendas, a nova sigla conseguiu as assinaturas necessárias para sair do papel em junho. A expectativa é que o novo partido esteja apto a disputar as eleições de 2026 com candidatos ao Executivo e ao Legislativo.
Movimento desencadeia movimentações partidárias
O projeto acendeu o alerta em partidos como o União Brasil, Progressistas, Podemos e Republicanos, onde importantes membros do MBL, segundo apurou o GLOBO, já arrumam as malas rumo à nova legenda. Atualmente, o MBL tem 13 vereadores eleitos, além da vice-prefeita de Meridiano (SP), Juliana Lima, o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil) e o deputado estadual Guto Zacarias (União Brasil – SP). A expectativa é que todos se filiem ao Missão no ano que vem, seja na janela partidária — entre março e abril, para deputados estaduais e federais —, seja via desfiliação por justa causa, para evitar a perda de mandato (sem prazos determinados).
“Não sei se pego a carta de anuência (para a desfiliação) ou espero a janela, porque a janela está próxima, ainda não decidi. Aqui em São Paulo, apesar de ainda não termos definido uma chapa majoritária, o planejamento é sair com dois deputados federais (pelo Missão em 2026)”, afirma Kataguiri, um dos co-fundadores do MBL, que deve disputar o pleito pela nova sigla. Para o deputado, o risco de sair de um partido tradicional para uma sigla novata se justifica por questões ideológicas.
A busca por identidade e programa político
“Trabalhamos durante anos para construir este projeto. Minha vontade é estar em um partido com identidade, que tem programa, posicionamento, e não em um partido como o União Brasil, que, apesar de me abrigar, não é um partido que tem programa ou ideologia. Pelo contrário, é um partido que tem três ministros do governo Lula e pelo menos eu e mais outros 14 colegas de oposição. Infelizmente, o União é como a maior parte dos partidos do Brasil”, afirma Kataguiri.
Segundo Kataguiri, o cacique do União Brasil, Antônio Rueda, tentou dissuadi-lo de sair da legenda. Quando foi eleito para a Câmara dos Deputados, em 2018, Kim teve 465 mil votos e, mesmo sem conseguir repetir o mesmo patamar em 2022, foi reeleito por 295 mil eleitores, mantendo-se como um importante puxador de votos para o União.
Outro nome de destaque do União em São Paulo é a vereadora Amanda Vetorazzo, que era cotada como uma possível candidata à disputa por uma vaga na Câmara dos Deputados. No ano passado, ela recebeu 40.144 votos na capital paulista. Na Câmara, ganhou destaque após protocolar um projeto de lei que proíbe a contratação, pelo poder público, de artistas que façam apologia ao crime organizado, batizado de “Lei Anti-Oruam”. “Não tenho como tratar sobre esse assunto no momento, por questões partidárias”, desconversa a vereadora, sobre a possibilidade de migração para o Missão. Nos bastidores, porém, o União dá como certa a saída de Vetorazzo.
Desafios para a nova sigla
O MBL também tem representantes nas Câmaras do Rio de Janeiro (RJ), Joinville (SC), Curitiba (PR), Pouso Alegre (MG), Ibiúna (SP), Cruzeiro (SP), Salvador (BA) e Natal (RN). O Missão deverá ter como primeiro presidente o ativista Renan Santos, atualmente sem mandato. Internamente, ele é um dos cotados a concorrer à Presidência em 2026 pelo novo partido.
“O principal para a escolha do candidato à presidência é ter a nossa identidade, que é 90% do critério. O cara pode ser o Winston Churchill, mas, se não tiver nossa identidade, não será o candidato”, afirma Renan.
Ter um partido próprio, porém, também é um prenúncio de dificuldades práticas. Se antes o MBL “alugava” a estrutura de outras legendas, agora estará sujeito a desafios como o financiamento de campanhas, a falta de tempo de TV e a cláusula de barreira — mecanismo que impõe exigências mínimas de votação aos partidos e tem motivado uma série de fusões e “superfederações” nas últimas eleições.
Com uma pequena fatia do Fundo Eleitoral, o Missão poderia se aliar a outros partidos para se viabilizar eleitoralmente, além de apelar ao financiamento coletivo e a campanhas de crowdfunding. Nesse ponto, joga a favor do MBL a forte presença nas redes sociais e a legião de apoiadores que levou à construção do partido — feito que nem o ex-presidente Jair Bolsonaro conseguiu quando articulou a criação de sua própria legenda, o Aliança pelo Brasil.
Expectativas para o futuro
Sem representação parlamentar no início, o Missão teria acesso apenas a 2% do Fundo Eleitoral, repasse garantido a todas as siglas com registro regular. A quantia seria “irrisória”, aponta a especialista em Direito Eleitoral Ísis Sangy. Um ponto que poderia aumentar a fatia seria a filiação de outros deputados federais — além de Kataguiri — antes da próxima disputa.
“Isso porque a legislação prevê que a divisão do fundo considere a composição atual da Câmara, não apenas o resultado da última eleição”, destaca Sangy.
Para o cientista político Elias Tavares, professor de pós-graduação da Faculdade Damásio e graduado em Ciência Política pelo Centro Universitário Internacional (Uninter), o sucesso nas redes sociais pode ser convertido em apoio financeiro, mas um projeto nacional exige mais recurso. O especialista acredita que o Missão também terá desafios como o “desgaste natural do tempo” do MBL, a construção de lideranças para além do seu berço eleitoral e, no futuro, as possíveis dissidências internas.
“Agora eles vão jogar com os grandes, a nível nacional, com estrutura partidária, com diretório. E tudo que é poder gera conflito. Daqui a dois ou três anos, existe essa tendência (das dissidências)”, ele diz.
Segundo Renan Santos, “muitos deputados” têm conversado com a sigla para se filiar à legenda e, apesar de especialistas apontarem a necessidade de uma coligação, o futuro presidente do Missão rejeita a ideia, pontuando que o foco, no primeiro momento, será construir a identidade do partido.
“A ideia de federar para fazer parte de uma estrutura prévia, com dinheiro, significa já nascer errado. A gente não vai fazer isso. E não significa que a gente vai ficar isolado. Mas os partidos grandes entendem a política de uma maneira diferente da nossa”, afirma.
Com base nas ações já planejadas, incluindo a criação de uma banda de música e ativa presença nas redes sociais, o MBL se esforça para estabelecer sua identidade partidária e se preparar para os desafios da arena política em 2026. Enquanto isso, a polarização política entre os grupos de poder no país representa um obstáculo adicional que o Missão precisará enfrentar.