A partir de 5 de agosto, a Câmara dos Deputados do Uruguai deve votar um projeto de lei que legaliza a eutanásia, promovendo a chamada “morte com dignidade”. Antes do julgamento, líderes católicos e especialistas de diversos setores se manifestaram contra a medida, alertando para riscos e violações de direitos.
Críticas de especialistas e Igreja contra a eutanásia no Uruguai
Um artigo divulgado pela Arquidiocese de Montevidéu intitulado “Eutanásia: Um ‘direito’ que viola outros direitos” reúne depoimentos de especialistas, incluindo Theo Boer, bioeticista holandês que lutou pela legalização da prática há duas décadas. Boer, que já visitou o Uruguai, alertou para o crescimento de pedidos de eutanásia, apontando que o procedimento, que começou como exceção, hoje é comum e ameaça os mais vulneráveis.
O bispo de Montevidéu, cardeal Daniel Sturla, afirmou que a lei visa oferecer mais direitos, mas, na prática, não garante a proteção necessária à vida, que é um direito fundamental reconhecido na Constituição uruguaia. “A vida é um dom de Deus, e não podemos usurpar esse poder”, destacou o líder religioso.
Fragilidades do projeto de lei e riscos à vida
A médica Agustina da Silveira, integrante da iniciativa “Prudência Uruguai”, pontuou que o projeto autoriza a solicitação de eutanásia por um médico que também será responsável por realizá-la. “A pessoa que decide pode ser quem avalia sua própria situação, o que torna o sistema vulnerável a erros irreparáveis”, alertou.
Outro ponto apontado pela Igreja refere-se à Constituição do Uruguai, que reforça o direito à vida, e à insuficiência na implementação da lei de cuidados paliativos, criada em agosto de 2023. “Se o sistema de cuidados paliativos estivesse completamente operacional, muitas situações de sofrimento extremo poderiam ser evitadas”, declarou Silveira.
Ética médica e a ameaça à dignidade
Para o jurista e filósofo Miguel Pastorino, membro da “Prudência Uruguai”, a legalização da eutanásia coloca em risco o princípio fundamental do respeito pela vida, criando uma categoria de pessoas cujos direitos de viver podem ser relativizados. “Hoje, temos recursos médicos que permitem aliviar o sofrimento sem precisar recorrer à morte”, afirmou.
Ela destacou ainda que os direitos à recusa de tratamento, diretivas antecipadas e sedação paliativa devem ser priorizados, e que a legislação atual não exige que o paciente receba esses cuidados antes de decidir pela eutanásia. “Se a dor não é bem controlada, a decisão de morrer pode não ser realmente livre”, questionou.
Perspectiva de fé e postura da Igreja
Na esfera religiosa, o arcebispo de Montevidéu, cardeal Daniel Sturla, afirmou que a Igreja rejeita a intenção de causar a morte deliberadamente, pois a vida é um presente de Deus. “A prática da eutanásia pode transformar a medicina em uma facilitadora da morte ao invés de um apoio na dor”, alertou.
Para a Igreja, a melhor resposta ao sofrimento é a promoção dos cuidados paliativos e sedação paliativa, que aliviam a dor sem acelerar a morte. “Classificar vidas como descartáveis é uma porta aberta ao mal”, advertiu o cardeal.
Desafios para uma sociedade mais humana
O debate no Uruguai mostra que a legislação sobre o direito de viver ou morrer não é apenas uma questão legal, mas um reflexo dos valores de uma sociedade. Organizações religiosas e civis insistem na necessidade de garantir uma vida digna até o fim, com cuidado, companhia e sem dor ou solidão.
Segundo especialistas, a prioridade deve ser fortalecer o sistema de cuidados paliativos, garantindo que ninguém chegue ao ponto de optar pela morte como única saída para o sofrimento extremo. “O verdadeiro avanço é assegurar a dignidade da vida até o último momento”, concluiu o arcebispo Sturla.