O debate sobre qual equipe é realmente o “time do povo” no futebol brasileiro é acirrado, especialmente entre as grandes torcidas como Flamengo, Corinthians e Vasco. Uma recente pesquisa realizada pelo O GLOBO em parceria com a Ipsos-Ipec trouxe dados relevantes sobre a composição financeira das torcidas desses clubes, revelando que tanto Flamengo quanto Vasco têm uma significativa parcela de torcedores oriundos das classes D e E.
Perfil das torcidas segundo a pesquisa
De acordo com o levantamento, 61% dos torcedores do Flamengo e 61% dos torcedores do Vasco pertencem à faixa de renda que vai até dois salários mínimos. O Corinthians se destaca em seguida, com 56%, enquanto o São Paulo também figura no mesmo percentual. O Palmeiras, por outro lado, é o clube com menor percentual de torcedores de baixa renda, apresentando 51%. Essa análise incluiu somente os clubes que conseguiram atingir uma amostra significativa de entrevistados, garantindo maior precisão nos dados coletados.
Classes sociais e a presença nas torcidas
A pesquisa ainda revela que o Flamengo detém a maior proporção de torcedores nas classes sociais mais baixas. Um total de 34% dos torcedores rubro-negros se encontram nas classes D e E, enquanto Vasco e São Paulo têm 28% e 27%, respectivamente. O critério usado para esta classificação se baseia na capacidade de consumo, segundo o Critério Brasil.
Fatores históricos e culturais
Édison Gastaldo, antropólogo e professor no Centro de Estudos de Pessoal e Forte Duque de Caxias, acredita que a herança cultural e histórica dos clubes cariocas tem um papel importante nesse cenário. A popularidade dos times do Rio de Janeiro ao longo dos anos, especialmente em programas de rádio desde a década de 1930, ajudou a cimentar suas bases populares. A patrilinearidade, onde a torcida se passa de pai para filho, é um fator que contribui para a continuidade das torcidas de massa, mesmo em outras regiões do Brasil.
“Os times do Rio passam a contar com torcedores por todo o território nacional. E, culturalmente, as famílias tendem a torcer para o time do pai, o que perpetua essa torcida nas classes populares”, explica Gastaldo.
Concentração de torcedores das classes A e B
No contraponto, as torcidas de clubes como o Corinthians, São Paulo e Palmeiras apresentam uma maior concentração de fãs das classes sociais A e B. Os corintianos têm 29%, enquanto os são-paulinos têm 28% e os palmeirenses 26% entre seus torcedores classificados nessas categorias. Outra informação relevante é que os torcedores do Palmeiras e do Corinthians têm uma maior proporção de rendas familiares superiores a cinco salários mínimos, com 18% e 15%, respectivamente.
Impacto econômico na composição das torcidas
Segundo Natale Papa Jr., economista, o ambiente econômico em São Paulo influencia diretamente o perfil de suas torcidas. “São Paulo, sendo a maior cidade em termos econômicos, concentra setores de alta renda, como serviços financeiros e empresas de tecnologia, o que resulta em maior percentual de torcedores pertencentes às classes A e B”, afirma. No contraste, ele ressalta que o Rio de Janeiro enfrenta uma desigualdade maior que a da capital paulista, fazendo com que os times populares, como Flamengo e Vasco, atraiam torcedores com menos recursos financeiros.
“A economia carioca é mais dependente de setores estatais, o que gera uma pitada diferente na dinâmica das torcidas. Torcidas como as de Flamengo e Vasco são expressivas entre as classes populares”, completa o economista. Esses fatores tornam a discussão sobre qual time é, de fato, o “time do povo” ainda mais complexa e rica, refletindo não apenas em números, mas também em questões sociais e culturais profundas do Brasil.
Conclusão
Com uma base de torcedores tão diversificada em termos de classe social, Flamengo e Vasco reafirmam suas posições como os “times do povo”. Entretanto, a pesquisa destaca a complexidade por trás do amor que os brasileiros nutrem por suas equipes, mostrando que o apoio esportivo transcende o simples ato de torcer, envolvendo questões históricas, culturais e sociais que moldam a identidade dos torcedores ao longo dos anos.