A vida da babá Maria Soledade dos Santos Jesus, conhecida como Dade, de 50 anos, reflete a rotina de muitas trabalhadoras domésticas no Brasil. Com um longo deslocamento diário em Goiânia, onde trabalha 8 horas, e ainda equilibrando as obrigações familiares, Dade tem pouco espaço para a prática de lazer, e o futebol não faz parte de sua rotina. Essa realidade representa um retrato fiel de um fenômeno mais amplo: um número significativo de mulheres brasileiras está afastado da paixão nacional, o futebol.
Um panorama preocupante
De acordo com a pesquisa recente da O GLOBO/Ipec-Ipsos, 32,1% das mulheres afirmaram não torcer para nenhum time de futebol. Este percentual aumentou em relação a 2022, quando era de 24%. O estudo destaca que essas mulheres, muitas das quais são de baixa renda e escolaridade, têm suas vidas preenchidas por trabalho e obrigações familiares, o que as afasta do contato com o esporte.
A situação de Dade é emblemática. Para ela, o tempo é um recurso escasso, e a tradição familiar de apoiar o futebol não faz parte do seu cotidiano. “Eu chego, faço o jantar e preparo tudo para o dia seguinte. Não tenho tempo para isso não (para o futebol)”, afirma Dade, que, além de não acompanhar partidas, vê seus filhos também distantes do esporte.
O comportamento do torcedor
Não é surpresa que a socialização do futebol seja amplamente masculina. A experiência de Bárbara Oliveira Marcelino, de 48 anos, que cresceu em uma família de torcedores, ilustra bem isso. Diferente do pai, irmão, marido e filho que são apaixonados pelo futebol, as mulheres da família nunca se identificaram com o esporte. “Nunca foi um lugar de acolhimento para mulheres”, afirma Bárbara, que prefere dedicar seu tempo a outras atividades, como cuidar de seu pai doente e de seus cachorros.
A exclusão feminina do universo do futebol não é apenas simbólica. Essa realidade é reforçada por décadas de desincentivo à participação das mulheres. Leda Maria da Costa, pesquisadora do Laboratório de estudos em Mídia e Esporte da UERJ, explica que o futebol muitas vezes não foi um espaço para as mulheres, e este cenário está enraizado na cultura brasileira.
A luta por representatividade
As pesquisas recentes apontam também para a desigualdade de gênero que permeia a vida das mulheres em relação ao tempo de lazer e à prática esportiva. O professor Edison Gastaldo destaca que o pertencimento a um time de futebol muitas vezes é herdado, com os homens incentivados desde cedo, enquanto as mulheres permanecem longe desse círculo social.
O que se observa é que, tradicionalmente, a mulher de classe média, urbana e sem filhos possui uma chance maior de se envolver com o futebol. Já as mulheres que vivem em áreas mais isoladas ou necessitam lidar com responsabilidades familiares, como as que residem em regiões rurais, continuam afastadas do esporte.
O futuro do futebol feminino
Apesar dos desafios, um movimento em crescimento já começa a exigir mudança. Apenas na última década, mais mulheres começaram a reivindicar seu espaço no futebol, seja por meio do fortalecimento do futebol feminino ou a participação em torcidas organizadas. Essa tendência é reforçada, com a expectativa de que, em 2027, o Brasil receba a Copa do Mundo de Futebol Feminino, um evento que pode acelerar o interesse das mulheres pelo esporte.
Marina Zuaneti Martins, da Escola de Educação Física da UFES, reafirma a importância desse novo movimento. “O potencial de aumento de mercado consumidor do futebol são as mulheres, e a Fifa sabe disso. A Copa sendo aqui tem a capacidade de acelerar esse processo e despertar o desejo das meninas pelo futebol”, conclui.
Por fim, se o futebol é um patrimônio cultural brasileiro, que por muito tempo se manteve excludente, a mudança começa a se vislumbrar. E isso pode significar que, em breve, o cenário do torcedor brasileiro se tornará mais inclusivo e representativo, abrindo espaço para todas as vozes e corações apaixonados pelo futebol.