A teoria da mecânica quântica revolucionou o cotidiano desde sua proposta há um século. Contudo, como ela realmente funciona continua sendo um mistério, evidenciado por uma pesquisa publicada na revista Nature. Físicos estão profundamente divididos sobre o que, de fato, está acontecendo no mundo quântico.
Desafios da mecânica quântica
Uma famosa expressão na física quântica, “Cale-se e calcule!”, ilustra a frustração de cientistas que tentam desvendar um dos grandes paradoxos do mundo. Ao longo dos últimos cem anos, as equações baseadas na mecânica quântica descreveram com precisão o comportamento de objetos extremamente pequenos. No entanto, o que ocorre na realidade física por trás dessas equações permanece desconhecido.
O problema começou no início do século XX, quando cientistas perceberam que os princípios clássicos da física não se aplicavam ao nível atômico. De forma surpreendente, partículas como fótons e elétrons parecem comportar-se tanto como partículas quanto como ondas, podendo estar em diferentes posições simultaneamente e possuir diferentes velocidades ou níveis de energia.
A evolução das teorias quânticas
Em 1925, o físico austríaco Erwin Schrödinger e o alemão Werner Heisenberg desenvolveram um conjunto de ferramentas matemáticas complexas para descrever a mecânica quântica por meio de probabilidades. Essa “função de onda” possibilitou prever resultados das medições de partículas. As equações resultantes levaram ao desenvolvimento de diversas tecnologias modernas, como lasers, luzes LED, ressonâncias magnéticas (MRI) e transistores, utilizados em computadores e telefones.
Contudo, a grande questão persiste: o que exatamente está acontecendo no mundo além das equações?
100 anos de mecânica quântica
Para celebrar o centésimo aniversário da mecânica quântica, muitos dos principais físicos do mundo se reuniram no mês passado na ilha alemã de Heligoland, onde Heisenberg escreveu sua famosa equação. Mais de 1.100 deles participaram de uma pesquisa conduzida pela Nature, cujos resultados mostraram uma “notável falta de consenso entre os físicos sobre o que a teoria quântica diz sobre a realidade”.
Mais de um terço dos respondentes (36%) favorou a interpretação mais amplamente aceita, conhecida como interpretação de Copenhague. Nesta interpretação, proposta por Heisenberg e pelo físico dinamarquês Niels Bohr na década de 1920, tudo no mundo clássico possui propriedades definidas – como posição ou velocidade – independentemente da observação. No mundo quântico, no entanto, uma objeto quântico apenas “se fixa” em um estado específico quando um observador realiza uma medição, o que é descrito como o colapso da função de onda.
O dilema do gato de Schrödinger
Uma das representações mais famosas desse conceito é o “gato de Schrödinger”, que permanece simultaneamente vivo e morto dentro de uma caixa, até que alguém olhe dentro. A interpretação de Copenhague é considerada “a mais simples que temos”, segundo o filósofo da física brasileiro Décio Krause, que também participou da pesquisa. Apesar dos problemas da teoria, como a falta de explicação para o colapso da função de onda, as alternativas apresentam desafios que, para ele, são ainda piores.
Visões alternativas: o multiverso
No entanto, a maioria dos físicos apoiou outras ideias. Quinze por cento dos pesquisadores optaram pela interpretação de “múltiplos mundos”, uma teoria que propõe que vivemos em um multiverso, onde a função de onda não colapsa, mas se ramifica em universos paralelos para cada resultado possível. Assim, quando um observador mede uma partícula, obtém a posição correta em seu universo, mas a partícula também ocupa todas as outras posições em universos paralelos.
O físico teórico americano Sean Carroll considerou que essa interpretação exige “uma dramaticidade nas ideias sobre o mundo”, mas é o que devemos esperar de uma teoria fundamental da realidade.
Os especialistas em quântica também foram unânimes em outras grandes questões. Existe alguma espécie de fronteira entre os mundos quântico e clássico, onde as leis da física mudam repentinamente? Quarenta e cinco por cento dos físicos responderam que sim, enquanto a mesma porcentagem respondeu que não. Apenas 24% afirmaram estar confiantes de que a interpretação quântica que escolheram está correta, e três quartos acreditam que será substituída por uma teoria mais abrangente um dia.
O debate continua entre os físicos, trazendo novos desafios e possibilidades de entendimento sobre a realidade quântica.