Brasil, 29 de julho de 2025
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“Isso me deixou muito irritada”: reações de uma trabalhadora sexual ao filme “Anora”

Uma profissional do sexo compartilha sua visão crítica sobre representações no filme “Anora” e a maneira como retrata a vida delas.

Já passa de um mês desde o lançamento de “Anora”, dirigido por Sean Baker e protagonizado por Mikey Madison. A produção, que conquistou cinco Oscars neste final de semana, conta a história de uma stripper que se casa com um herdeiro russo, numa narrativa que mistura glamour e rupturas. No entanto, o que pensam as trabalhadoras sexuais sobre a ficção que retrata sua rotina? A resposta é complexa e reflete diferentes experiências e perspectivas.

Uma visão realista, mas com pontos problemáticos

Emma*, uma acompanhante e dançarina de Manhattan, de 25 anos, assistiu a cenas do filme que ela considerou bastante próximas da sua rotina. “Quando assisti às cenas iniciais, fiquei entediada — o que provavelmente é um sinal de que eram fiéis à realidade, porque me senti como se estivesse no trabalho”, conta. Para ela, a representação inicial do ambiente é autêntica, inclusive na dinâmica da relação com os clientes.

No entanto, Emma ficou confusa ao ver Ani, a protagonista, questionando um cliente se ele gostaria de fazer sexo novamente, após já terem feito um pagamento. “Nunca, na minha experiência, e na de muitas amigas na profissão, a gente faria isso. Se já pagaram, é para deixar por isso mesmo”, explica.

Críticas à idealização e à narrativa romântica

A irritação de Emma aumentou ao assistir a cena em que as colegas de clube comemoram a noiva Ani, após seu noivado. Ela destaca que, na vida real, essa postura de apoio não é comum, especialmente quando há insegurança quanto à dependência financeira de um homem. “Não existe mulher na indústria que queira depender de alguém que não tenha sua própria estabilidade”, reforça.

Outro ponto que ela criticou foi a demonização de uma personagem — a “menina má” do clube — que, na realidade, ela acredita que não sobreviveria nesse ambiente. “O que me mantém na indústria são as colegas, que são incríveis e inteligentes”, afirma.

Percepções sobre o relacionamento e as impressões de “Anora”

Ao analisar o casamento de Ani, Emma achou a personagem muito sexualizada e que isso refletia um ideal masculino de como o relacionamento deveria ser. “Para mim, essa hipersexualização funciona como uma fantasia de homem, que quer ver uma mulher sempre ‘hot’”, comenta. “Depois que começamos a se relacionar, essa persona precisa sair, porque não é real, ela é apenas um personagem que usamos no trabalho.”

Ela também criticou a narrativa de que Ani, uma suposta acompanhante experiente, teria se apaixonado por Vanya, um jovem que ela conheceu na noite de trabalho. “Não confio em homens na nossa rotina, eles podem ser substituídos facilmente. Não ficamos realmente apaixonadas, só seguimos o fluxo”, diz.

Representações problemáticas e o impacto na percepção pública

Emma viu na personagem Ani uma soma de erros e equívocos, especialmente na ideia de que ela acreditava que Vanya realmente a queria por quem ela era. “A personagem acha que o homem, que ela acabou de conhecer, estaria disposto a ficar, mesmo com toda a bagagem dela — isso não condiz com a nossa realidade”, comenta.

Ela também destacou a forma como o filme mostra as atividades sexuais e a dor emocional, muitas vezes reforçando estereótipos que criam uma visão sensacionalista da vida como trabalhadora sexual. “Tem muita gente que acha que contanto que mostrem dor, é uma boa representação. Mas, na verdade, nossa dor vem de insegurança financeira, de ser subestimada, não da sexualidade em si”, reflete.

Reflexões finais e desejos de uma representatividade mais verdadeira

Para Emma, a produção reforça a ideia de que os trabalhos das mulheres do setor são diariamente transformados em histórias de fantasia masculina, onde a empatia ou compreensão não fazem parte do roteiro. “Gostaria que o filme terminasse com ela jogando o telefone dele fora — uma cena que mostraria que o poder está na nossa mão”, conclui.

*Nome fictício para preservar a identidade

Representantes da indústria e especialistas apontam que é fundamental compreender as múltiplas realidades das trabalhadoras sexuais, que muitas vezes sentem que suas experiências são reforçadas ou distorcidas pelos roteiros populares. Assim, é importante questionar quais narrativas realmente refletem suas vidas e quais perpetuam estereótipos prejudiciais.

Para saber mais sobre a representatividade no cinema, confira nossas ações na seção de cultura.

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