A recente decisão da administração dos Estados Unidos de destruir quase US$ 10 milhões em produtos contraceptivos para mulheres provocou uma onda de condenações de médicos e organizações de ajuda, que classifi caram a medida como um ataque desnecessário aos direitos das mulheres. Os anticoncepcionais, que são armazenados na Bélgica, estão programados para serem incinerados na França, enquanto os países europeus enfrentam pressões para evitar a destruição.
O que os EUA anunciaram?
Em 18 de julho, o jornal britânico Guardian citou fontes do Congresso dos EUA, afirmando que a administração do presidente Donald Trump planejava destruir produtos anticoncepcionais no valor de US$ 9,7 milhões, majoritariamente dispositivos intrauterinos (DIUs) e implantes contraceptivos. Esses anticoncepcionais, destinados a alguns dos países mais pobres do mundo, especialmente na África Subsaariana, estão armazenados em um depósito na cidade belga de Geel e devem ser incinerados até o final de julho.
Um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA declarou à AFP que “uma decisão preliminar foi tomada para destruir certos” produtos de controle de natalidade de “contratos da USAID da era Biden que foram encerrados”. A administração Trump desmantelou a USAID, a agência de ajuda externa do país, após retornar à Casa Branca em janeiro, substituindo o presidente Joe Biden.
A destruição desses produtos custará US$ 167 mil, e o porta-voz ressaltou que “nenhum medicamento para HIV ou camisinhas está sendo destruído”.
Quais são os motivos por trás dessa decisão?
Conforme apontado pelo porta-voz, a decisão se baseia em uma política que proíbe a concessão de ajuda a organizações não governamentais que realizam ou promovem abortos. A Política de Cidade do México, que é criticada por muitos como “regra do silêncio global”, foi introduzida pela primeira vez pelo presidente Ronald Reagan em 1984 e foi reimplantada sob todos os presidentes republicanos desde então.
Além disso, a administração Trump cortou significativamente a ajuda externa, e o Senado aprovou neste mês um pacote que cortou cerca de US$ 8 bilhões em financiamento internacional, grande parte destinada à USAID. Pesquisas estimam que os cortes da USAID resultarão na morte de 14 milhões de pessoas até 2030. No início deste mês, os EUA também incineraram quase 500 toneladas métricas de biscoitos de alta nutrição que eram destinados a crianças desnutridas no Afeganistão e no Paquistão.
Alternativas e soluções propostas
A respeito da controvérsia, o ministério das Relações Exteriores da Bélgica afirmou que “iniciou esforços diplomáticos com a embaixada dos Estados Unidos em Bruxelas” sobre a questão dos contraceptivos. O governo “está explorando todas as possibilidades para evitar a destruição desses produtos, incluindo soluções de realocação temporária”.
A organização internacional MSI Reproductive Choices manifestou interesse em “comprar, reembalar e gerenciar a logística por conta própria, garantindo que os produtos chegassem a quem realmente precisa”. No entanto, essa oferta foi repetidamente recusada. A Federação Internacional de Planejamento Familiar (IPPF) fez uma proposta semelhante “sem custo para o governo dos EUA”, mas também foi negada.
Indignação pública e reações políticas
A senadora democrata do Novo Hampshire, Jeanne Shaheen, destacou que a meta proclamada pela administração Trump de reduzir o desperdício do governo é completamente contraditória com o plano de destruição de anticoncepcionais, que ela considera “o epítome do desperdício, fraude e abuso”. Juntamente com seu colega democrata Brian Schatz, ela apresentou um projeto de lei visando evitar que mais ajuda dos EUA seja desperdiçada.
A IPPF declarou que o plano de destruição é “um ato intencional de coerção reprodutiva”. Médicos Sem Fronteiras o chamou de “um desperdício cruel”, enquanto a diretora de advocacy da MSI, Sarah Shaw, caracterizou como “um ataque ideológico aos direitos reprodutivos”. Sarah Durocher, líder do grupo francês de Planejamento Familiar, ressaltou que, no ano passado, a França se tornou o primeiro país a consagrar o direito ao aborto em sua constituição, e que “a França tem uma responsabilidade moral de agir”.
Por fim, a líder dos Verdes francesas, Marine Tondelier, assinou uma carta aberta pedindo ao presidente Emmanuel Macron que impedisse a destruição dos anticoncepcionais, enfatizando que “nosso país não pode ser cúmplice, mesmo indiretamente, em políticas retrogradas”. O escritório da presidência francesa não fez comentários sobre o assunto, mas a situação continua a gerar grande preocupação e discussão em torno dos direitos reprodutivos e a discricionariedade da ajuda humanitária.