Em um cenário de desafios sociais e políticos em Angola, a formação dos futuros presbíteros assume um papel crucial que vai além da doutrina religiosa. Frei Júlio Candeeiro, diretor do Mosaiko – Instituto para Cidadania, defende que esta formação deve urgentemente integrar uma reflexão abrangente sobre os direitos humanos, a justiça social e, principalmente, a sinodalidade. Essa perspectiva foi destacada durante o III Acampamento Nacional de Direitos Humanos e Teologia, realizado de 15 a 20 de julho de 2025, no Seminário Maior Padre Sikufinde, na Arquidiocese do Lubango.
Objetivos do acampamento e o contexto atual
Conforme relatado em entrevista ao Vatican News, Frei Candeeiro enfatiza que o acampamento surgiu como resposta à necessidade de unir a fé com a cidadania em um contexto pastoral que enfrenta uma “crise de compreensão”. Ele explicou que muitas comunidades tentam separar a teologia das questões sociais, o que resulta em um “déficit de compreensão” relevante para a formação dos líderes religiosos. “A fé não deve ser dissociada das lutas por justiça social e pelos direitos humanos. Tudo isso está intrinsecamente ligado à dignidade da pessoa humana,” afirmou Frei Candeeiro.
Seis seminários maiores da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé e Príncipe (CEAST) se reuniram para abordar temas como dignidade humana, justiça cristã, equidade de gênero, e, pela primeira vez, sinodalidade. Frei Candeeiro ressaltou que a formação sinodal é um passo vital, não apenas para a Igreja, mas para o fortalecimento das comunidades em Angola. “O Sínodo não é apenas mais um documento. Se não for vivido e refletido na formação, seus frutos não chegarão ao povo,” afirmou ele, sublinhando a importância de servir à comunidade.
O papel da igualdade de gênero e a voz feminina
Um dos tópicos abordados no acampamento foi a equidade de gênero. Frei Candeeiro foi enfático ao deixar claro que essa discussão não se trata de ideologia, mas sim de justiça social. “As mulheres, que representam a maioria nas nossas comunidades, continuam excluídas dos espaços de decisão. Precisamos rever isso,” disse.
A presença de especialistas e formadores, como a Dra. Sheila Leocádia Pires, Secretária da Comissão para a Informação do Sínodo sobre a Sinodalidade, conferiu uma abordagem interdisciplinar e contextualizada, refletindo sobre a realidade africana. Juntamente com Ir. Isabel Alfaro, biblista, e Frei Gonçalo Dinis, os formadores trabalharam com os seminaristas para integrar esses ensinamentos no cotidiano da Igreja.
Desafios sociais e a urgência da formação
O momento atual em Angola exige uma resposta clara e firme da Igreja. Frei Candeeiro criticou a repressão das manifestações populares e o silenciamento das vozes dissidentes. “Estamos vivendo tempos difíceis, com a subida dos combustíveis, inflação e pobreza extrema prejudicando o povo. Quando o povo protesta, a resposta não pode ser silenciar as vozes,” declarou.
A resposta positiva dos seminaristas indica a relevância da temática abordada no acampamento. Gabriel Miguel, um dos participantes, refletiu: “Agora compreendo que ser padre não é mandar, mas caminhar com o povo.” Por outro lado, Mário Kamala Albino ressaltou que “fé e direitos humanos não são opostos, mas aliados na defesa da dignidade.” Essas declarações demonstram o impacto positivo da formação.
Conclusão e expectativas para o futuro
O evento culminou com uma celebração eucarística na Catedral do Lubango, presidida pelo Pe. Manuel Calengue, reitor do seminário. Para Frei Candeeiro, os frutos dessa iniciativa levarão tempo para serem percebidos, mas serão fundamentais para o futuro da Igreja e da sociedade em Angola. “Formar presbíteros conscientes e enraizados no Evangelho é plantar sementes de esperança,” concluiu, deixando claro que a missão da Igreja vai além das paredes da instituição, envolvendo o compromisso com a dignidade humana em todas as suas facetas.