O Brasil vem ampliando seus programas de transferência de renda aliados ao Cadastro Único (CadÚnico), que reúne dados de famílias com renda mensal de até meio salário mínimo. Segundo levantamento do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social (MDS), divulgado ao GLOBO, aproximadamente dois mil programas sociais em diferentes regiões utilizam essa base de dados para definir critérios e benefícios.
Expansão e diversificação dos programas sociais
Nos últimos anos, muitos estados e municípios criaram iniciativas complementares ao Bolsa Família, muitas delas utilizando critérios de renda semelhantes ou inferiores aos do programa federal. Dados do próprio MDS apontam que ao menos 19 unidades da federação adotam programas de transferência de renda similares ou em fase de implementação, que oferecem valores menores como complemento ao benefício oficial.
Segundo o especialista Marcelo Neri, diretor da FGV Social, o boom dessa política ocorreu inicialmente na década de 2010, impulsionado pelo incentivo do governo federal para ações estaduais integradas ao Bolsa Família. A pandemia de COVID-19, entre 2020 e 2024, revisitou essa tendência, com aumento de 53,7% na renda distribuída por programas não considerados o Bolsa e o BPC, o que contribuiu para reduzir a pobreza ao seu menor nível histórico.
Desafios na coordenação e sustentabilidade
Apesar da expansão, especialistas apontam a falta de coordenação entre os diferentes níveis de governo como um entrave para a efetividade dessas iniciativas. “Muitos desses programas locais não comunicam ao governo federal sua operação, beneficiários ou critérios, dificultando uma avaliação ampla e coordenada”, explica Laura Machado, economista do Insper e ex-secretária de Desenvolvimento Social de São Paulo.
O papel do CadÚnico na gestão social
O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social trabalha na criação de uma ferramenta que mapeará, até o fim de 2026, cerca de dois mil programas que usam o CadÚnico. A iniciativa visa entender melhor como esses programas operam e quem são seus beneficiários, promovendo uma maior integração de políticas sociais no país.
O potencial e os riscos dos programas locais
Especialistas avaliam que programas de transferência de renda locais podem ser mais eficientes ao atender demandas específicas, principalmente se devidamente planejados, com fontes de financiamento claras e mecanismos de avaliação efetivos. Porém, há o risco de inviabilidade financeira futura devido à falta de uma estratégia de sustentabilidade fiscal, especialmente em momentos de crise econômica.
Pedro Ferreira de Souza, pesquisador do Ipea, destaca que “a atuação local, se bem estruturada, tem potencial de complementar o esforço nacional, ajustando-se às realidades regionais”. No entanto, reforça a necessidade de planejamento para garantir a continuidade dessas ações mesmo em períodos de contenção de gastos públicos.
Perspectivas e exemplos de boas práticas
O exemplo do Distrito Federal demonstra a possibilidade de unificação e racionalização de programas de transferência, com a criação do programa DF Sem Miséria, que otimizou recursos e ampliou os resultados. A experiência mostrou que planejamento e avaliação consistente podem potencializar os efeitos de programas sociais regionais.
Por outro lado, especialistas alertam que, para serem eficazes, esses esforços precisam de ampla coordenação entre os diferentes níveis de governo, com mapeamento sobre o custo de vida e linhas regionais de pobreza. São Paulo, por exemplo, é citada como região de alta complexidade, onde a complementação de renda deve vir acompanhada de medidas de estímulo ao mercado de trabalho.
Caminho para a integração das ações sociais
De acordo com Rafael Osório, secretário de Avaliação, Gestão da Informação e CadÚnico do MDS, o órgão trabalha na implementação de um sistema que registre e monitore todos os programas de transferência de renda e ações sociais regionais. A iniciativa busca ampliar a transparência e orientar políticas mais alinhadas às realidades locais.
“Queremos entender melhor esses programas, como eles são operados e quem são os beneficiários para melhorar a coordenação e ampliar seu impacto”, afirma Osório.
Mais detalhes sobre o mapeamento nacional e os projetos em desenvolvimento podem ser acessados neste link.