O governo dos Estados Unidos apresentou nesta quarta-feira (23) um plano de ação para inteligência artificial (IA), com objetivos de vencer a disputa tecnológica com a China e reforçar uma pauta anti-woke, que se opõe a ideias progressistas de diversidade, inclusão e sustentabilidade. A iniciativa visa acelerar o desenvolvimento de IA “livre de viés ideológico” e promover uma agenda conservadora, segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO.
Direcionamento ideológico e riscos sociais na nova estratégia de IA
Entre as ações previstas, está a revisão do NIST AI Risk Management Framework, documento que orienta a segurança em IA, com a eliminação de referências a temas como diversidade, mudanças climáticas e desinformação. Especialistas alertam que essas mudanças podem comprometer a regulação da tecnologia ao rejeitar medidas de proteção e conter riscos sociais, principalmente para grupos vulneráveis.
Yasmin Curzi De Mendonça, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pesquisadora nos EUA, afirma que o plano promove uma agenda “profundamente conservadora e iliberal”. Segundo ela, a tentativa de estabelecer uma IA “sem viés ideológico” serve como um código para excluir termos relacionados à diversidade e às questões ambientais do marco regulatório, dificultando ações de segurança e inclusão.
Perigo de exclusão de valores essenciais e impacto internacional
Ao rejeitar regulações que envolvem diversidade, equidade, inclusão, mudanças climáticas e desinformação, há risco de ampliar vieses já existentes na IA, prejudicando grupos sociais. Ricardo Campos, professor da Goethe-Universität Frankfurt, lembra que a exclusão desses temas da regulação reforça uma narrativa que prioriza a inovação em detrimento de garantias sociais e ambientais.
Ele destaca ainda que o documento condiciona contratos públicos ao uso de sistemas “livres de viés ideológico”, o que pode abrir caminho para a negligência na proteção de direitos humanos e privacidade, além de reforçar uma lógica de desregulamentação radical interna nos EUA.
Busca pela supremacia tecnológica e relação com a política internacional
O “AI Action Plan” de Trump aponta para uma estratégia de desregulamentação agressiva, incentivando a exportação de tecnologia, a facilitação de data centers e contratos condicionados a neutralidade ideológica. Isso demonstra uma corrida pela liderança, com forte influência do Vale do Silício, diante do crescimento de plataformas chinesas como o DeepSeek.
Analistas avaliam que essa iniciativa pode impactar a disputa global por hegemonia digital, influenciando normas internacionais, como ilustra o exemplo do Japão e da Coreia do Sul, que adotam modelos de regulação mais focados na inovação e pesquisa, em contraste com a abordagem mais restritiva da União Europeia.
Risco de uma nova “disputa global” semelhante às armas nucleares
Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio), compara o plano ao programa Atoms for Peace, de 1953, que compartilhava tecnologia nuclear com aliados selecionar. Segundo ele, a estratégia de Trump busca criar uma “clique de confiança” de países com tecnologia avançada, acelerando liderança tecnológica dos EUA, com forte impacto estratégico e político.
Carlos Affonso Souza destaca que o foco na “corrida contra a China” aponta para uma competição com prazo de chegada, na qual a redução de regulações, especialmente em aspectos ligados a direitos humanos, será uma prioridade para conquistar supremacia.
Implicações éticas e o papel do controle social na IA
Marco Sabino, especialista em internet e direito, alerta que a priorização da desregulamentação pode abafar questões éticas e aumentar o risco de uso da IA para reforçar ideologias. A ação americana reforça a ideia de que a IA será usada como uma ferramenta de expressão, o que exige uma reflexão global sobre o limite do desenvolvimento sem normas sociais e direitos universais.
Quem controlará, por exemplo, a influência da IA na tomada de decisões ou na propagação de conteúdo ideológico é uma dúvida premente. As propostas de Trump indicam que, na estratégia dos EUA, o setor de tecnologia deve priorizar velocidade e liderança, mesmo que isso signifique sufocar salvaguardas essenciais aos direitos humanos.
Mais um elemento de disputa mundial, a iniciativa reforça a polarização entre modelos regulatórios, enquanto a guerra pela soberania digital se intensifica, com tarifas, controle de dados e estratégias que envolvem todo o sistema de poder global.
Para saber mais detalhes sobre o plano de Trump e suas possíveis ramificações, consulte o artigo completo no GLOBO.