O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem reforçado a proposta de reduzir a dependência do dólar nas transações internacionais, defendendo o uso de moedas locais ou de uma nova moeda comum no comércio global. Mesmo assim, os dados de 2024 mostram que 95,5% das exportações brasileiras continuam sendo feitas em dólar, segundo levantamento da Secretaria de Comércio Exterior (Secex).
Movimentos em direção à desdolarização no Brasil e no Brics
Na prática, contudo, o Brasil ainda opera majoritariamente com o moeda norte-americana, apesar das declarações de Lula. Em 10 de julho, o presidente afirmou que o bloco dos Brics discute a criação de uma moeda própria para fazer comércio sem depender do dólar, numa tentativa de maior autonomia econômica. “Queremos fazer comércio mais livre e independente”, afirmou em entrevista ao Jornal Nacional.
Reação ao tarifão de Trump e a resposta brasileira
- Nos EUA, Donald Trump anunciou uma tarifa de 50% sobre as exportações brasileiras em 9 de julho, ameaçando o mercado em meio à guerra comercial.
- O Brasil respondeu com a Lei de Reciprocidade Econômica, regulamentada por decreto, que criou um comitê liderado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin.
- A esquerda brasileira atribui a sobretaxa à atuação da família Bolsonaro nos EUA, enquanto apoiadores do ex-presidente criticam as tarifas por motivos políticos, ligados a ações contra o STF.
O papel do dólar no comércio brasileiro
Apesar das declarações de Lula, a moeda mais utilizada nas operações de importação e exportação brasileiras é o dólar. Em 2024, US$ 323,2 bilhões de exportações foram feitos em dólar, e US$ 211 bilhões em importações, o que representa 81,7% e 69% respectivamente de todas as transações comerciais, de acordo com dados do MDIC.
O euro ocupa a segunda posição como moeda de comércio, especialmente nas importações, com 9,06%, frente a 2,71% nas exportações. Outras moedas, como libra esterlina, iene e o próprio real, representam parcelas menores.
Por que o dólar se consolidou como moeda mundial?
Desde o Acordo de Bretton Woods, assinado em 1944, o dólar passou a ser a principal moeda de reserva e precificação do comércio internacional, criando um sistema financeiro global baseado na moeda americana. O tratado estabeleceu taxas fixas de câmbio e a criação do FMI e do Banco Mundial, com o objetivo de garantir estabilidade econômica mundial.
Opiniões de especialistas sobre a desdolarização
Para o economista Robson Gonçalves, professor da Fundação Getulio Vargas, a fala de Lula sobre o uso de moedas alternativas ao dólar é uma tendência natural, semelhante ao processo que levou à criação do euro. Ele afirma que, apesar de ainda estar no estágio de discursos, o Brasil e os países do Brics exploram possibilidades de diminuir a dependência do dólar, principalmente devido às tarifas impostas por Trump e suas implicações políticas.
“Se os EUA serão menos essenciais para nossas exportações, por que seguir usando o dólar? A tarifa do Trump acelerou essa busca por alternativas”, analisa Gonçalves.
Jackson Campos, especialista em comércio exterior, reforça que a adoção de moedas locais exige infraestrutura financeira adequada, mecanismos de compensação e confiança mútua entre os países. Ainda assim, ele acredita que o fortalecimento do real nas transações internacionais pode trazer benefícios econômicos, como redução de custos e fortalecimento da posição brasileira no cenário global.
Desafios de uma moeda comum no Mercosul
Apesar de discussões, a criação de uma moeda comum como o peso do Mercosul apresenta dificuldades devido às diferenças fiscais e monetárias entre os países membros. Segundo Campos, essa proposta é mais política do que técnica atualmente, e sua implementação exigiria um esforço conjunto e uma integração mais profunda.
Perspectivas e riscos da transição
Fábio Andrade, professor de relações internacionais, destaca que a proposta de uma moeda alternativa ao dólar, especialmente defendida pela China, reflete uma estratégia do Sul Global de buscar maior autonomia financeira e política. No entanto, ele alerta para os riscos e a complexidade de uma possível substituição do dólar, que seria um passo de grande impacto na hegemonia financeira internacional.
Para Andrade, a postura brasileira representa uma aposta na mudança do sistema global, mas adverte que o país corre riscos ao se envolver cedo demais nesse movimento, diante das dificuldades técnico-econômicas da transição.
Apesar do discurso oficial, o uso do dólar continuará predominando no comércio brasileiro a curto prazo, reforçando que a desdolarização ainda é um objetivo em fase de estudos e debates.
Fonte: Metropoles