Brasil, 23 de julho de 2025
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“Isso me deixou realmente irritada”: reação de uma trabalhadora sexual a “Anora” e suas reflexões

A atriz e diretora Sean Baker buscou retratar a realidade de forma minimalista, mas muitas trabalhadoras explicam por que o filme provoca resistência

O filme “Anora”, dirigido por Sean Baker e estrelado por Mikey Madison, tem gerado discussões intensas entre profissionais do sexo. A produção, vencedora de cinco Oscars, foi aplaudida por retratar aspectos do universo da prostituição com autenticidade, mas também recebeu críticas pesadas de quem vive a rotina diariamente.

Como as trabalhadoras sexuais veem “Anora”

Entrei em contato com Emma*, uma acompanhante e dançarina de Manhattan com dois anos de experiência, que expressou grande insatisfação e frustração ao assistir ao filme. Para ela, muitas cenas refletem com fidelidade o cotidiano, porém, outras representam uma visão distorcida e até perigosa do setor.

“No começo, achei que o filme era real, porque parecia o que vejo na minha rotina. Mas à medida que avançou, percebi diversas falhas na representação”, afirmou Emma. Ela destacou uma cena em que Ani, a protagonista, pergunta a Vanya se ele quer fazer sexo novamente após o pagamento. “Ninguém aqui arrisca fazer isso, porque já pagaram pelo tempo. É uma questão de lógica, e o filme ignora isso”, explicou.

Reações às cenas de empolgação e dependência

Emma se sentiu especialmente incomodada ao ver as colegas comemorando o noivado de Ani na cena do vestiário. “Na prática, ninguém apoiaria isso. As meninas sabem que dependência financeira é um risco enorme, e lutar por independência é uma prioridade”, afirmou.

Ela também criticou a personagem por manter uma postura excessivamente sexualizada mesmo após o casamento. “Isso parece um desejo do próprio homem de imaginar ela assim, sempre disponível, sempre sexy. Na vida real, essa persona precisa ser desligada quando saímos do trabalho”, observou.

representações idealizadas e a visão romântica

Segundo Emma, a narrativa do filme reforça uma visão distorcida de que relações de trabalho podem se transformar em amor. “Ela fica acreditar que o Vanya, um estranho, realmente se apaixona, o que é totalmente irreal. Na nossa indústria, sabemos que somos substituíveis e que nenhuma discussão de amor é genuína”, ponderou.

Ela acrescenta que a romantização, típica do cinema, alimenta expectativas erradas especialmente entre os jovens. “A gente vê muitos clientes pensarem que vão conseguir algo mais, e isso cria uma ilusão que é difícil de engolir”, comentou.

O impacto da representação na percepção pública

Emma acredita que filmes como “Anora” contribuem para reforçar o estigma e a visão sensacionalista. “As pessoas querem ver a dor, o sofrimento, a emoção demais, como se nossa rotina fosse só isso. Mas, na verdade, nossas dores vêm de insegurança financeira ou de não sermos levadas a sério. A sexualidade é só uma parte da nossa realidade”, explicou.

Ela também lamenta que algumas cenas finais, que retratam a dor emocional da personagem, reforçam um estereótipo de que o trabalho sexual é inerentemente trágico e patológico. “Isso vende; mostra que somos vítimas e desvia o foco da nossa autonomia”, disse.

Resistência e a força das colegas

Emma ressaltou que, enquanto o filme reforça ideias preconcebidas, o que mantém muitas mulheres na profissão é o sentimento de comunidade e inteligência entre as colegas. “O que realmente importa é o apoio na saia de casa, a força que encontramos umas nas outras. Isso é algo que o cinema não consegue mostrar”, concluiu.

Para ela, o que falta na narrativa de “Anora” é uma compreensão mais ampla e realista do setor, que valorize a autonomia e a resistência das trabalhadoras. “Precisamos de uma representação que não padronize nossa dor ou reduza nossa trajetória a uma tragédia”, finalizou.

*Nome fictício para preservar o anonimato.
*Os comentários representam a opinião de Emma e não refletem necessariamente a visão de toda a comunidade de profissionais do sexo.

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