O novo livro de Rossaly Beatriz Chioquetta Lorenset, intitulado “Leitura e cárcere – (entre) linhas e grades, o leitor preso e a remição de pena”, apresenta reflexões profundas sobre a realidade das prisões no Brasil e o papel que a leitura pode desempenhar na vida dos detentos. Esta obra não só discute as desigualdades sociais e o funcionamento do sistema penal, mas também retrata a experiência da autora em um projeto de extensão de leitura que coordenou no presídio de Xanxerê, em Santa Catarina.
Um retrato da realidade nas prisões brasileiras
O livro surge como resultado do trabalho de doutorado de Rossaly em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Com o Brasil ocupando o terceiro lugar no mundo em número de encarcerados, a obra lança luz sobre um problema seríssimo da Justiça brasileira. A Lei de Execução Penal (LEP) estabelece, desde 2011, que a leitura pode contribuir para a redução da pena: a cada livro lido, o prisioneiro reduz quatro dias de sua sentença. Contudo, a implementação desse benefício ocorre em meio a um contexto em que a falta de acesso à educação e ao trabalho é alarmante.
Segundo a autora, a ideia de utilizar a leitura como forma de remição de pena não foi uma inovação benéfica, mas sim uma tentativa de preencher um vazio no sistema carcerário. “A possibilidade de diminuir dias de pena de condenados pela leitura não demandava investimento financeiro significativo, apenas a disponibilização de livros”, explica Rossaly. A importância deste hábito vai além do simples desejo de reduzir a pena; trata-se de uma oportunidade de transformação pessoal e social para aqueles que se encontram atrás das grades.
Desafios e realidades da leitura no cárcere
Durante os cinco anos de pesquisa no presídio, Rossaly constatou que as condições de leitura eram mínimas. Em seu livro, ela relata uma experiência marcante com um preso que, após ter sido baleado pelo pai aos nove anos, desenvolveu um grande apego à leitura. Este detento contava que ele aproveitava a luz da televisão para ler após as luzes do presídio serem apagadas. Esse tipo de relato evidencia como a leitura se transforma em um refúgio e uma possibilidade de fuga da dura realidade da prisão.
Além de descrever histórias impactantes de detentos que começaram a indicar livros para seus filhos, Rossaly também menciona aqueles que apenas afirmavam gostar de ler, mas que estavam mais preocupados com o benefício imediato da redução de pena do que com a transformação trazida pela leitura.
O futuro da remição de pena pela leitura
O panorama atual aponta para sérios desafios. De acordo com uma pesquisa do Conselho Nacional de Justiça, em 2023, apenas 11 das 27 unidades prisionais do Brasil contavam com estrutura adequada para a implementação de bibliotecas. Embora a resolução do Plano Nacional de Fomento à Leitura nos Ambientes de Privação de Liberdade (2021) proponha o uso de audiobooks como forma de garantir acesso à leitura para detentos não alfabetizados, a realidade ainda é complexa. “É difícil imaginar como essa universalização poderá ocorrer, considerando que faltam até mesmo livros impressos nas prisões”, critica a autora.
Além disso, as diretrizes não têm se traduzido em ações concretas: a falta de bibliotecas e profissionais capacitados para promover a leitura nos presídios é um obstáculo significativo. Rossaly ainda faz visitas regulares ao presídio de Xanxerê, na tentativa de continuar fomentando essa prática tão essencial.
Sobre a autora: Doutora em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Rossaly é também professora e pesquisadora, com diversas publicações na área. Seu compromisso com a educação e a promoção da leitura transcende as paredes do presídio, com o objetivo de fazer a diferença na vida de muitos.
“Leitura e cárcere” é mais do que um livro; é um convite à reflexão sobre como a literatura pode abrir portas mesmo nas situações mais adversas, funcionando como uma luz sobre os desafios que o sistema prisional brasileiro ainda enfrenta.