Brasil, 21 de julho de 2025
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“Isso me deixou muito bravo”: reação de uma trabalhadora sexual ao filme ‘Anora’

O filme “Anora”, dirigido por Sean Baker e estrelado por Mikey Madison, tem sido um sucesso de crítica e bilheteria, conquistando cinco Oscars neste fim de semana. Porém, a reação de quem realmente vive a realidade do sexo pago revela uma narrativa bastante diferente da retratada nas telas. Uma dessas vozes é a de Emma*, uma acompanhante e dançarina de 25 anos que trabalha em Manhattan há dois anos. Sua reação ao filme virou uma catarse de indignação e frustração.

Reação à representação da indústria do sexo

“Quando assisti às cenas iniciais do clube, me senti como se estivesse no meu trabalho”, explica Emma. Ela afirma que a fidelidade às primeiras cenas reflete uma tentativa do filme de retratar a rotina das profissionais de sexo, o que para ela virou um ponto de concordância. Contudo, sua indignação aumentou ao perceber distorções e cenas que reforçam estereótipos prejudiciais.

“Fiquei muito chateada quando mostraram as garotas comemorando a troca de alianças de Ani, como se fosse algo de que devêssemos nos orgulhar. Na minha experiência, nenhuma colega iria apoiar isso, porque queremos autonomia financeira, não dependência emocional ou financeira de alguém”, afirma. Emma enaltece o ambiente colaborativo entre as mulheres na rotina de trabalho, algo que ela acha que o filme poderia ter explorado mais.

Percepções sobre a personagem Ani e suas escolhas

Para Emma, a personagem Ani, interpretada por Madison, representa uma idealização problemática. “Ela é mostrada como alguém extremamente sexualizada mesmo fora do trabalho, o que parece um ideal masculino. Na vida real, quando passamos tempo com alguém, essa persona precisa desaparecer para que a relação seja verdadeira”, explica. Para ela, a forma como Ani é retratada como apaixonada e vulnerável reforça uma narrativa de manipulação e fantasia.

“O que me irrita é como o filme mostra ela acreditando num cara que conhece há pouco tempo como alguém que realmente se interessa por ela, quando na verdade somos facilmente substituíveis”, desabafa. Emma destaca a precariedade da relação, que muitas vezes se baseia na dependência financeira, e que a narrativa do filme ignora essa realidade.

Estereótipos e a visão do consentimento

Outro aspecto que ela criticou foi a caricatura da “boa moça” que tenta convencer o público de que certos homens são tão “gentis” que não haveria abuso. “Muitos clientes acreditam que estão sendo ‘bons’ ou ‘gentis’, mas na verdade só querem exercer controle. E a ideia de que uma ‘garota feliz’ só existe com um cara rico é perigosa”, alerta Emma.

Ela acrescenta que o filme reforça a ideia de que relações baseadas na troca de dinheiro por sexo podem resultar em amor verdadeiro, o que ela discorda veementemente. “No nosso dia a dia, sabemos que essas relações vivem de uma ilusão de sentimentalismo que os homens criam. E essa narrativa só alimenta a ideia de que precisamos sofrer pelo amor.”

Reflexões sobre o fim e o impacto social

Emma critica ainda a cena final, em que Ani, ao lado de Vanya, parece emocionalmente destruída. “Muita gente acha que mostrar dor é uma representação realista, mas a minha experiência mostra que o sofrimento vem da insegurança financeira ou do desrespeito, não do sexo em si”, destaca. Ela lamenta que o filme, na sua visão, retrate a mulher como uma vítima triste, reforçando um clichê que serve aos interesses de uma narrativa masculina.

“O que me incomoda é que as pessoas parecem achar que, por ela ser ‘bonitinha’ e não ter sido violentada explicitamente, a história é legítima. Mas é uma fachada que alimenta o fetiche de impotência e submissão”, conclui Emma.

Contribuições para o debate

Por fim, Emma reforça a importância de ouvir as verdadeiras trabalhadoras sexuais ao discutir a representação do setor na cultura pop. “O que realmente faz a diferença é mostrar que estamos no controle, que podemos decidir por nós mesmas e que só assim podemos construir uma narrativa de respeito e autonomia”, afirma.

*Nome fictício para preservar a identidade da entrevistada.

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