Brasil, 17 de julho de 2025
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Reação de uma trabalhadora do sexo ao filme “Anora”: Uma perspectiva real que precisa ser ouvida

O filme “Anora”, dirigido por Sean Baker e estrelado por Mikey Madison, tem sido um sucesso crítico e comercial, conquistando cinco Oscars neste final de semana. Contudo, a opinião de quem realmente vive a rotina do trabalho sexual revela um retrato muito diferente do apresentado na obra. Emma*, uma acompanhante e dançarina de 25 anos de Manhattan, compartilhou suas críticas e emoções sobre a produção, evidenciando uma visão mais autêntica e, muitas vezes, frustrada.

O que o filme mostra versus a realidade das trabalhadoras do sexo

Emma contou que, inicialmente, se identificou com as cenas iniciais de clubes, sentindo que a narrativa refletia suas experiências. “Quando assisti, achei que era fiel ao que vivo — aquelas cenas de clubes e a rotina com as clientes”, explicou. No entanto, a partir de certos momentos, seu sentimento mudou, especialmente ao perceber versões distorcidas de comportamentos comuns na indústria.

Ela destacou uma cena que a incomodou bastante: quando Ani, personagem do filme, questiona Vanya, seu marido, se ele gostaria de fazer sexo novamente após a sessão paga. “Na minha experiência, nunca seguiríamos em frente com mais sexo só porque o cliente pagou por uma hora”, afirmou.

Reações ao casamento e à sexualidade exagerada

Emma também ficou irritada com a forma como Ani é retratada como extremamente sexualizada após o casamento, o que ela considera uma fantasia masculina. “Isso parece uma projeção de como os homens imaginam esse relacionamento — sempre com uma sexualidade incessante”, criticou. Para ela, na realidade, há uma desconexão após o trabalho, onde a heteronormatividade e a performance sexual ficam para trás.

Ela afirma que o filme transmite uma ideia enganosa de que a dependência financeira ou emocional possa se transformar em amor verdadeiro. “Mulheres na indústria não se entregam facilmente a esse tipo de ilusão”, disse Emma. “Nós sabemos que somos substituíveis, e o que nos mantém é a autonomia financeira.” *

Representações distorcidas e afetos artificiais

Outro ponto de desconforto destacado por Emma refere-se à representação de Ani como alguém inexperiente, mas que acredita estar apaixonada. “Ninguém na indústria acredita que um cliente se apaixonou de verdade, especialmente um que ela mal conhece”, relata. Essa idealização, segundo ela, reforça um estereótipo perigoso e descolado da realidade.

Ela também criticou o foco na sexualidade exacerbada da personagem, dizendo que essa narrativa serve ao desejo de um público masculino que gosta de ver a mulher como uma vítima romântica ou emocional. “Mostram uma mulher que fica triste, machucada e emocionalmente dependente, e isso venda”, afirmou Emma.

Questionamentos sobre o tratamento dos meninos na história

Emma destacou que cenas como a dos homens mais jovens, que se veem como “bons moços”, refletem uma visão equivocada do ambiente. “Muitos jovens tentam convencer as trabalhadoras do sexo de que são diferentes, que querem ‘salvá-las’, mas na prática, eles são os menos apreciados”, explicou. “Eles esperam uma conexão emocional, mas nós sabemos que somos trocáveis.”

Ela alertou que esse tipo de representação alimenta uma falsa expectativa de amor e respeito, além de reforçar o entitlement dos clientes. “Tem gente que acha que podem conseguir informações pessoais ou querem uma relação emocional, e o filme reforça isso”, complementou.

Sobre o final e a dor na indústria

Emma também compartilhou sua visão crítica sobre o desfecho emocional e triste do filme, que mostra a personagem sofrendo por amor. Para ela, a dor na experiência de trabalho sexual na vida real raramente tem relação com a sexualidade, mas sim com questões de segurança financeira e de respeito social. “O que dói é a falta de reconhecimento e de direitos”, disse.

Ela gostaria que o filme tivesse abordado essa perspectiva mais concreta, ao invés de perpetuar a narrativa de uma mulher que se apaixona por um cliente e enfrenta a tristeza por isso. “A gente não precisa de um filme triste para mostrar nossa história; nossa luta é pela autonomia e respeito”, concluiu.

O que falta na representação da indústria do sexo

Emma reforçou que a indústria do sexo é mais complexa do que a retratação feita na obra de Baker. Segundo ela, a maior questão não é o erotismo ou o sofrimento, mas sim o empoderamento e a autonomia das trabalhadoras. “Precisamos de representações que mostrem nossa força, inteligência e independência, não só o lado frágil ou triste”, afirmou.

Ela destacou ainda a importância de ouvir quem vive essa realidade, ao invés de confiar apenas em histórias ficcionais ou estereótipos. “A maior lição é que a indústria do sexo é diversa, e nossas experiências não podem ser resumidas à dor ou ao romance melancólico que o cinema costuma mostrar.” *

*Para maior compreensão, a história reflete a perspectiva de uma profissional do setor e não representa toda a experiência do trabalho sexual.

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