Passados dois anos e meio desde que Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a presidência, a insatisfação de entidades que representam indígenas e quilombolas com a lentidão do governo federal em demarcar terras vem crescendo. Em um cenário político complexo, os movimentos sociais ressaltam que Lula foi reconduzido ao Palácio do Planalto com o compromisso de acelerar a titulação de territórios, um ponto central em sua campanha.
Lentidão e descompasso com promessas eleitorais
Aumento na insatisfação tem sido uma constante entre os movimentos sociais em relação à morosidade do governo em atender as demandas por demarcação de terras. Os ministérios dos Povos Indígenas e da Igualdade Racial, criados com o intuito de atender a essas demandas, têm mostrado limitações em destravar políticas eficazes.
Especialmente no Congresso, há resistência quanto à pauta indigenista. Em maio, por exemplo, o Senado aprovou um projeto que suspende decretos de Lula relacionados a demarcações em Santa Catarina, complicando ainda mais a situação.
Lideranças que representam as minorias afirmam que as conversas têm se limitado a diálogos com a ministra Sonia Guajajara, enquanto dificuldades permanecem para que outros ministérios se engajem na pauta. “Os outros ministérios têm resistência a este tema. A pauta indigenista é espinhosa para o governo”, afirmou Dinamam Tuxá, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
A demora nas demarcações e a frustração crescente
Logo após sua vitória eleitoral, Lula constituiu uma equipe para identificar 14 territórios que aguardavam apenas um decreto para que a demarcação fosse oficializada, prometendo atuar em seus primeiros cem dias de governo. Contudo, ao longo deste período, o governo registrou apenas 13 homologações, um número que representa pouco mais da metade das demarcações feitas em seu segundo governo, entre 2007 e 2010.
Durante os dois primeiros mandatos, Lula homologou 86 terras. No entanto, das áreas prontas para homologação ao início da atual gestão, apenas a Terra Indígena Xukuru-Kariri (AL), com processo de demarcação iniciado há 36 anos, ainda aguarda a finalização.
A frustração é “unânime” entre os indígenas. Tuxá reitera: “Agradecemos a retomada da demarcação, mas houve uma grande expectativa criada por Lula e as ações não estão à altura dessa expectativa”.
O diálogo com o governo e o distanciamento
Nos últimos dois anos, lideranças indígenas destacam um distanciamento significativo do governo e tentativas frustradas de reuniões com o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e a ministra Gleisi Hoffmann, responsável pela articulação política no Congresso. Luis Ventura, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), enfatiza a dificuldade de um diálogo claro e franqueado, considerando a postura omissa do governo.
A avaliação é que o Ministério dos Povos Indígenas carece de apoio das alas principais do governo, e a sequência de desacordos só alimenta a insatisfação geral.
Legislação e desafios futuros
A situação se agrava com a polêmica Lei do Marco Temporal, aprovada pelo Congresso em 2023, que restringe os direitos territoriais dos povos indígenas. O STF, em setembro de 2023, declarou a norma inconstitucional, e embora Lula tenha vetado a proposta, o veto foi derrubado pelo Congresso.
Atualmente, o Brasil possui 445 Terras Indígenas homologadas, abrangendo mais de 107 milhões de hectares, mas 261 áreas ainda estão pendentes. Algumas delas apenas aguardam o decreto presidencial para a demarcação final.
Líderes indígenas ressaltam que a demarcação é um passo crucial para reparar uma dívida histórica, além de ser fundamental para a segurança fundiária e para a preservação ambiental.
Situção das terras quilombolas
No que diz respeito às comunidades quilombolas, a situação é semelhante. O governo apenas titulou terras quilombolas pela última vez em dezembro de 2024, totalizando 11 titulações parciais — número considerado insuficiente. Os fazendeiros continuam a ameaçar a vida das comunidades, segundo Biko Rodrigues, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas.
O Ministério da Igualdade Racial não se manifestou sobre as críticas. O orçamento de 2024 destinado à titulação de territórios indígenas e quilombolas era de R$ 137,5 milhões, mas quase metade desse montante foi contingenciado, reduzindo efetivamente os recursos disponíveis.
Dados do Portal da Transparência indicam que apenas R$ 26,39 milhões do orçamento atualizado foram executados. Essa situação, atrelada à falta de articulação política, pode complicar ainda mais o futuro das demarcações de terras no Brasil, um tema que continua a gerar tensão entre o governo e os movimentos sociais.