Na manhã de dezembro passado, acordei ouvindo juízes com nome vitalício questionando advogados em uma audiência que pode retirar direitos reprodutivos de muitas pessoas. Desde então, tenho refletido sobre os limites da discussão política frente às vidas reais e vulneráveis.
A história de Sophia e a importância do direito ao aborto
Reflito sobre uma jovem chamada Sophia, minha paciente de 11 anos, que enfrentou uma situação devastadora. Ela veio ao meu consultório com dor de estômago e, após exames, descobri que ela estava grávida. Sophia tinha acabado de menstruar, mas seu ciclo ainda era irregular na fase inicial.
Ao ordenar um teste de gravidez, a notícia veio positiva. Sofri ao ver a expressão de confusão da mãe e percebi a gravidade do que estava acontecendo. Sophia era vítima de abuso familiar e, naquele momento, sua vida corria perigo.’,
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Decisão médica e direitos fundamentais
Nos momentos seguintes, concentrei-me em proteger o bem-estar da criança. Com a equipe, assegurei que ela tivesse acesso imediato à interrupção da gravidez, uma decisão que salvou sua vida e preservou sua liberdade de escolha.
Naquele dia, entendi profundamente que o único objetivo era garantir que Sophia permanecesse segura e viva. Nenhuma criança, sob qualquer circunstância, deve ser obrigada a continuar uma gestação proveniente de abuso ou violação.
O impacto do ativismo político na vida das crianças
Hoje, penso em Sophia e em todas as jovens que enfrentam obstáculos semelhantes, especialmente com as restrições ao aborto que se espalham pelos estados americanos. O debate muitas vezes se distancia da realidade de quem mais precisa de proteção. A existência de exceções, como a “vida da mãe”, não justifica a negação do direito de decidir.
Reflexões finais sobre o que significa ser ‘pró-vida’
Para mim, ser ‘pró-vida’ é garantir que nenhuma criança seja obrigada a carregar o trauma de um abuso ou a força de uma gestação indesejada. Sophia, hoje adulta, talvez seja uma mulher que conseguiu reconstruir sua história, graças à decisão de proteger sua vida naquele momento.
Minha esperança é que o reconhecimento de que toda vida — especialmente a de uma criança — merece proteção, prevaleça frente aos discursos políticos e às leis que tentam limitar esse direito fundamental. Nosso compromisso é com a vida, com a dignidade e com a liberdade de cada pessoa decidir sobre seu corpo e seu destino.
Protegendo espaços essenciais
Nossa clínica foi um refúgio naquele dia sombrio. Não há espaço para políticos ou interesses que não respeitam o espaço mais sagrado: o corpo das pacientes. Lutamos por um ambiente livre de divisões, onde a prioridade seja sempre o bem-estar de quem precisa de cuidados.
Names e detalhes específicos foram mudados para garantir a privacidade e segurança de Sophia e de todos os envolvidos.
Dipti S. Barot é médica de atenção primária e escritora freelance na área da Baía de São Francisco. Você pode segui-la no Twitter em @diptisbarot.
Este artigo foi originalmente publicado na HuffPost, em julho de 2024.