Brasil, 13 de julho de 2025
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Minha paciente de 11 anos estava grávida. O que quero que você saiba sobre ser ‘pró-vida’

Narrativa de uma médica revela a complexidade e a urgência do debate sobre aborto, defendendo o direito de decisions feitas por quem enfrenta o trauma.

Numa manhã de dezembro, acordei cedo para ouvir juízes com nome vitalício questionando advogados em um processo que pode tirar das pessoas sua liberdade reprodutiva. Desde então, sigo ouvindo discursos de juízes, advogados e políticos, muitas vezes alheios à realidade das pessoas, como se suas opiniões fossem de outro planeta.

A história de Sophia e a luta pelo direito à escolha

Ao ouvir esses debates, lembro de uma menina que conheci há anos, uma paciente de 11 anos, que chamarei de Sophia. Ela veio ao consultório comigo acompanhada pela mãe, por causa de dores no estômago. No exame, descobri que ela tinha menstruado, mas a menstruação tinha parado. Reassurei a mãe, explicando que, às vezes, no início da vida menstrual, isso é comum.

Deixei a sala e, naquele momento, recordei um conselho de um médico de emergência que treinara: “Não seja aquele que não pede o teste de gravidez.” Então, pedi o exame. Minutos depois, uma assistente veio desesperada com o resultado positivo. Pedia para repetir. Confirmado: Sophia, aos 11 anos, estava grávida.

Protegendo a vida de Sophia

Chamei a mãe para uma conversa silenciosa. Expliquei sem rodeios: Sophia estava grávida. Ela não compreendia. Precisei repetir várias vezes, até que o choque se tornasse real. Em poucos minutos, a notícia se espalhou: o pai, uma figura religiosa, policiais. A cena parecia um pesadelo: adultos chorando, uma criança tão pequena no centro de tudo.

Ela não quis falar, medo e trauma no olhar. Um policial, ao falar com Sophia, descobriu quem tinha cometido o crime contra ela. Os policiais partiram para prender o familiar, que estava na igreja, no coral.

A prioridade: proteger Sophia

Minha missão naquela hora foi clara: garantir que Sophia estivesse protegida física e emocionalmente. E isso incluía ter acesso a um aborto, para que ela não fosse forçada a dar à luz aos 11 anos. Ela teve o direito de decidir pelo interromper da gravidez, uma decisão suportada por quem a amava e pelo que era melhor para ela.

Reflexões atuais sobre direitos reprodutivos

Hoje, penso nela com frequência. Imagino como ela está, se foi à faculdade, se confiou numa relação, se foi mãe por escolha. Vejo seu rosto, sua expressão suave, e sei que a decisão de interromper sua gravidez — apoiada por quem ela amava — foi uma escolha “pró-vida”.

O que relembro daquele dia é a cena lotada: Sophia, sua mãe, o pai, o padre, policiais, choro, oração, incredulidade e esperança. A pequenez dela na imensidão daquele ambiente me lembra como o crime que sofreu era maior do que ela poderia suportar. E nada ali, naquele espaço, deveria caber além de médicos e pacientes. Não há espaço para políticos, discursos nem leis cruéis que se apropriam de temas tão íntimos.

Defendendo os espaços de decisão

Vamos lutar por esses espaços sagrados, livres de manipulações políticas e de divisões. Eles nunca foram convidados e não vamos permitir que políticos entrem em nossas clínicas e espaços de cuidado, invasivos e desumanos.

Names and details were changed para proteger a privacidade e segurança de Sophia e de outras crianças como ela.

Dipti S. Barot, médica de atenção primária e escritora freelance em São Francisco, lembra que decisões assim não são meramente políticas, mas escolhas de vidas reais, de meninas e mulheres que merecem respeito e liberdade.

Esta história, publicada originalmente em HuffPost em julho de 2024, reforça um ponto crucial: o direito de decidir sobre o próprio corpo é fundamental, especialmente para as mais vulneráveis.

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