Nos primeiros meses de 2025, a cidade de São Paulo testemunhou um aumento recorde no número de feminicídios, fato que expõe uma realidade alarmante sobre a violência de gênero e a assistência aos órfãos deixados por essas tragédias. O programa Auxílio Ampara, que deveria atender financeiramente crianças e adolescentes que perderam suas mães devido à violência doméstica, ainda é acessado por um número muito baixo de famílias, mesmo diante de tantos casos de feminicídio registrados.
Dados preocupantes sobre feminicídios em São Paulo
De acordo com a Secretaria da Segurança Pública (SSP), entre janeiro e maio de 2025, 29 mulheres foram assassinadas, representando um aumento de 16% em comparação ao mesmo período do ano anterior. Este número marca o maior registrado em um primeiro semestre desde a tipificação do feminicídio em abril de 2015. De acordo com dados de 2024, a cidade já havia enfrentado um recorde com 51 casos de feminicídio ao longo do ano.
Além disso, a capital paulista vive uma realidade ainda mais dramática ao contabilizar mortes, com a expectativa de que os números aumentem conforme os dados do mês de junho forem contabilizados. O Auxílio Ampara, pese a sua importância, só beneficia 73 crianças órfãs na cidade, um número muito pequeno em face da gravidade da situação.
Auxílio Ampara: condições restritivas para acesso
O auxílio, que pode chegar a até um salário mínimo por criança ou adolescente de até 18 anos, é uma tentativa da prefeitura de minimizar o impacto da violência de gênero nas famílias afetadas. Contudo, o acesso ao benefício é complicado e exige que uma série de condições sejam atendidas, como a formalização da guarda da criança, matrícula em escolas da cidade e que o responsável legal esteja inscrito no Cadastro Único (CadÚnico).
Esse conjunto de requisitos tem dificultado a inclusão de novas crianças. Em dados divulgados, entre janeiro e março de 2025, apenas duas novas crianças foram acrescentadas na lista de beneficiários. Para a juíza Teresa Cabral, do Tribunal de Justiça de SP, a falta de assistência representa um desamparo significativo: “Toda ação que venha para reparar e acolher é importante, pois ajuda a cumprir a obrigação do Estado”, ressaltou.
Natureza do feminicídio e suas consequências
O feminicídio é um crime ilícito caracterizado essencialmente pela brutalidade e pela natureza de violência doméstica. Muitos dos casos ocorrem em ambientes familiares, com o agressor frequentemente sendo o companheiro ou ex-companheiro da vítima. De acordo com o Laboratório de Estudos e Feminicídios (Lesfem), em 2024, o estado de São Paulo registrou 651 casos de feminicídio, incluindo tanto tentativas quanto consumados. Esses números têm ecoado um sério problema social que não pode ser ignorado.
A coordenadora do Lesfem, Silvana Mariano, explicou que a misoginia, a discriminação e o preconceito são fatores que continuam a influenciar esses crimes. “Esse tipo de crime é frequentemente registrado de maneira correta, à medida que mais discussões sobre feminicídio são promovidas”, afirmou Mariano.
Impactos na infância e necessidade de políticas públicas eficazes
Além do efeito devastador que o feminicídio tem sobre as mulheres, é alarmante pensar nas crianças que são deixadas para trás. Aproximadamente 135 mulheres vítimas de feminicídio em 2024 tinham filhos menores de idade, totalizando 239 crianças ou adolescentes afetados. Essas crianças enfrentam sérias consequências emocionais e psicológicas, com um alto risco de desenvolver transtornos como estresse pós-traumático, ansiedade e depressão.
A professora Juliana Prates, do Instituto de Psicologia e Serviço Social da Universidade Federal da Bahia, destacou a necessidade urgente de fortalecer as políticas públicas para proteger essas crianças, oferecendo apoio psicológico e programas que promovam a continuidade de suas redes de apoio, escolas e laços familiares.
Pensão especial ainda não regulamentada
Em 2023, uma nova lei federal foi sancionada, garantindo uma pensão especial de um salário mínimo para crianças e adolescentes que perderam suas mães por feminicídio, independentemente da data em que o crime ocorreu. Porém, a regulamentação dessa lei ainda não foi implementada, deixando muitas crianças sem o suporte financeiro necessário.
O Ministério das Mulheres informou que a operacionalização da lei será feita através do CadÚnico e que o decreto regulamentador deve ser publicado em breve. Contudo, a falta de uma data específica e os critérios pormenorizados continuam a prejudicar milhares de crianças afetadas.
Diante de toda essa realidade, é evidente que o Brasil precisa urgentemente rever suas políticas de assistência e proteção às mulheres e crianças afetadas pela violência de gênero, garantindo que crimes tão bárbaros não passem impunes e que suas consequências sejam devidamente abordadas pelo Estado.