O fenômeno das tendências virais nas redes sociais tem transformado radicalmente o consumo de alimentos em todo o mundo. Enquanto inicialmente impulsionaram o crescimento de mercados como o do matcha, essas modas agora representam uma ameaça crescente à sustentabilidade e à tradição agrícola.
O boom do matcha e seus perigos
O interesse pelo matcha disparou nas redes sociais, levando a uma demanda global sem precedentes. Em 2023, a produção alcançou 4.176 toneladas, triplicando desde 2010, segundo o Ministério da Agricultura do Japão. Essa alta demanda fez com que o governo sugira que agricultores usem folhas de té do tipo tencha, aliado às tradicionais folhas de sencha, para aumentar a oferta e atender ao mercado crescente.
Tomomi Hisaki, gerente geral na loja Tsujirihei em Uji, afirmou que:
“O matcha de alta qualidade não pode ser produzido em grande escala. A produção de folhas sombreadas, essenciais para o matcha ceremonial, é limitada e exige condições específicas de cultivo.”
Esse aumento na produção está comprometendo a qualidade do produto e a preservação das técnicas tradicionais, além de gerar um impacto econômico e ambiental significativo.
Outros ingredientes em alta e seus custos ocultos
Aumento de pistache e impacto ambiental
O destaque de alimentos como pistache também vem ganhando força, impulsionado por tendências como a combinação de chocolates do Dubai recheados com creme de pistache. Como resultado, preços subiram de $7 para $10 a libra, afetando produtores na Califórnia e Irã. Charles Jandreau, gerente da Prestat Group, comentou:
“Parece que tudo isso aconteceu de repente, sem aviso.”
A crise do abacate na Colômbia
O boom do abacate levou agricultores colombianos a abandonares plantações de café em busca do mercado global de “ouro verde”, mesmo que essa expansão exija recursos excessivos, como água e recursos agrícolas. Segundo estudos, 12 litros de água são necessários para produzir um único amêndoa, além da contribuição para o desmatamento e a contaminação ambiental. Essa expansão desorganizada prejudica o equilíbrio ecológico, sem falar na dinâmica de recursos finitos.
O papel das redes sociais na crise alimentar
A crescente influência do TikTok, Instagram e outras plataformas levou à viralização de receitas e ingredientes, levando a escassez e aumento de preços. O exemplo da cerveja artesanal em Iceland, impulsionada por uma receita de pepino, gerou uma crise de abastecimento local. Do mesmo modo, itens como maionese Kewpie, sriracha e feta enfrentam problemas semelhantes devido às tendências digitais.
De acordo com a BBC, o aumento do turismo no Japão, especialmente na cidade de Uji, por conta do interesse pelo matcha, agravou a situação: as lojas estão com estoque esgotado, e a produção tradicional é cada vez mais comprometida pela demanda excessiva, como observa Tomomi Hisaki.
Consequências para o futuro e o meio ambiente
Essa busca desenfreada por ingredientes virais não apenas sobrecarrega recursos ambientais, mas também ameaça a própria viabilidade da agricultura tradicional. Degradação do solo, uso excessivo de água, mudanças climáticas e perda de biodiversidade tornam-se consequências inevitáveis quando o consumo é guiado por modismos efêmeros.
Na prática, questiona-se se a busca pelo status e pela estética alimentar vale a pena frente ao impacto ecológico e social. Como exemplos, destacam-se o desmatamento na Colômbia por expansão de plantações de abacate e a ameaça de escassez de ingredientes básicos devido às tendências laboratoriais digitais.
Reflexão final
Precisamos repensar nossa relação com a comida e os ingredientes que consumimos. A cultura do consumo impulsivo, alimentada pelas redes sociais, está nos levando a uma crise global de alimentos que pode ter consequências irreversíveis para o planeta. É hora de priorizar a sustentabilidade e a preservação das tradições agrícolas, evitando que o sucesso momentâneo vire um desastre duradouro.