Recentemente, o documentário da Netflix “Shark Whisperer” gerou debates ao apresentar uma narrativa que, segundo críticos, vilaniza e marginaliza representantes nativos do Havaí, incluindo o próprio autor, Kaniela Ing. A produção foca em uma figura outsider, Ocean Ramsey, em detrimento de vozes locais que defendem o oceano com tradição e conhecimento ancestral.
Distanciamento cultural e representatividade no filme
Kaniela Ing, ex-presidente do Comitê de Recursos Oceânicos e Assuntos Havaianos na Assembleia do Havaí, destaca que sua trajetória inclui uma forte luta pelo banimento da pesca de tubarão, contrária a interesses comerciais e políticos tradicionais. “Eu fui um dos primeiros a defender essa pauta, apesar das resistências internas”, afirma Ing. Contrariando a narrativa do documentário, ele reforça que sua postura era de respeito e preservação, baseado em uma relação sagrada com os tubarões, considerados suas aumākua (guardião familiar).
Ing critica o filme por representar os nativos e acadêmicos locais como obstáculos, enquanto privilegia uma figura externa, Ocean Ramsey, que, segundo ele, mistura advocacy com apropriação cultural. Ela teria mencionado publicamente o uso de um ʻuhī — tatuagem sagrada — como símbolo de sua responsabilidade e herança, embora essa pertença cultural não a seja realmente atribuída.
Culturas ancestrais e a relação com os tubarões
Para a comunidade havaiana, os tubarões representam mais do que espécies ameaçadas de extinção: eles são um aspecto fundamental de sua espiritualidade e conexão com o oceano. Ing relembra suas experiências de mergulho e pesca tradicionais, explicando que seu relacionamento com os tubarões é de respeito e reverência, evitando qualquer tentativa de controle ou dinamismo que descaracterizam a cultura local.
Impactos na legislação e na preservação
Ao longo de sua carreira política, Ing construiu uma narrativa de preservação baseada em um profundo entendimento cultural e ecológico, o que contrasta com a abordagem da personagem de Ramsey no documentário. As ações de Ramsey, dizem críticos locais, teriam até atrasado a aprovação de leis de proteção, dificultando o diálogo com comunidades que veem no oceano um patrimônio sagrado e de vida.
Consequências e riscos de apropriação cultural
Especialistas alertam que a exaltação de Ramsey no filme representa uma tendência perigosa de apropriação cultural, que desconsidera o saber indígena e a relação de respeito com o meio ambiente. Ing reforça que a imposição de uma narrativa outsider ameaça silenciar vozes tradicionais e de experiência, essenciais para a conservação autêntica.
À medida que a plataforma de Ramsey cresce, há preocupação de que esse estilo de advocacy distorcido ganhe força, dificultando ainda mais o reconhecimento de conhecimentos ancestrais no debate ambiental do Havaí. O desafio, segundo ele, é valorizar e proteger as sabedorias indígenas, que há gerações mantém uma conexão sagrada com seus recursos naturais.