O lançamento do programa Carro Sustentável visa estimular a produção de veículos mais baratos e ecológicos no Brasil, por meio da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Apesar dos efeitos pontuais, especialistas avaliam que a medida, por si só, não será suficiente para conter completamente a invasão de importações chinesas, especialmente de modelos de motores mais potentes.
Impactos do programa na produção e preços de veículos brasileiros
De acordo com analistas, a iniciativa deve beneficiar principalmente os carros de entrada, que possuem maior margem para redução de custos. A expectativa é que a redução do IPI, que atualmente é de 5,27%, possa chegar a níveis próximos de 0,1%, similar ao que foi feito no programa anterior em 2023. Contudo, o impacto na cadeia de preços dependerá da combinação entre a diminuição do imposto e possíveis cortes de equipamentos tecnológicos pelos fabricantes.
Cássio Pagliarini, sócio da Bright Consulting, explica que a estratégia do governo parece focada em aumentar o volume de produção da indústria já instalada, especialmente na parte de baixo da pirâmide de preços. “Se pegar um carro de R$ 140 mil e diminuir 5%, ele pode apenas substituir outros modelos, sem realmente ampliar o volume total”, observa o especialista.
Desafios e limitações do programa
Embora o programa possa contribuir para a redução de custos e preços, sua eficácia como incentivo à tecnologia sustentável ou popular é questionada. Pagliarini destaca que, para que um carro seja considerado “popular”, é necessário um diferencial de preço maior, o que pode não acontecer apenas com a redução do IPI.
Antônio Jorge Martins, coordenador de cursos de MBA do setor automotivo da FGV, avalia que a medida tende a apoiar montadoras já presentes no Brasil, ao criar um novo nicho de atuação com veículos de tecnologia mais simples e motores menores. Segundo ele, isso não configura um incentivo direto à inovação ou às tecnologias verdes.
Competitividade e importação de veículos chineses
Dados recentes indicam que, entre janeiro e junho deste ano, foram importados 228,5 mil veículos, sendo 70,9 mil provenientes da China — uma alta de 37,2% em relação ao mesmo período do ano passado. Analistas alertam que, sem medidas adicionais, a entrada de importados chineses de motores mais potentes continuará forte, desafiando a competitividade dos veículos nacionais.
Martins lembra que fabricantes chinesas, como a BYD, operam com modelos importados com motores mais potentes, o que dificulta a competição para as montadoras brasileiras que atuam localmente. Segundo ele, marcas como Volkswagen, General Motors, Hyundai, Renault e Stellantis, com modelos de 1.0, estão mais aptas a se beneficiar do programa.
Perspectivas e cautelas
Apesar do otimismo, há uma preocupação quanto ao impacto final nos preços. Especialistas destacam que a redução de impostos, sem uma definição clara sobre a tecnologia permitida ou limitações na importação de componentes, pode não levar a uma redução significativa no custo final do veículo.
Martins alerta que as fabricantes podem precisar abrir mão de tecnologias avançadas para manter os custos baixos, o que pode comprometer a inovação na indústria brasileira. Além disso, o sucesso do programa depende do detalhamento da nova sistemática de IPI e da capacidade de adaptação das montadoras às novas regras.
Para conhecer melhor os efeitos do programa, o governo anunciou que publicará, em breve, uma medida provisória detalhando as regras específicas e os critérios para os veículos considerados sustentáveis.
Fonte: O Globo – Economia