A cerimônia anual de iniciação tribal na África do Sul, onde adolescentes passam por dolorosas circuncisões, teve início novamente. Este ritual, que é uma tradição há séculos, levanta preocupações significativas após o trágico registro de 93 mortes no ano passado. Apesar dos perigos associados a este evento, muitos jovens ainda se sentem compelidos a participar para serem aceitos em sua comunidade.
Tradição versus segurança
A circuncisão, uma prática central na cerimônia de Ulwaluko, marca a transição de meninos para homens na cultura tribal. No entanto, o ritual tem se tornado cada vez mais perigoso devido à presença de escolas de iniciação não regulamentadas, que frequentemente contratam “cirurgiões” não qualificados. O uso de instrumentos inadequados, como lâminas de barbear e lanças, tem levado a lesões horríveis, amputações e a necessidade de hospitalização de centenas de jovens.
Um relatório encomendado pelo governo sul-africano revelou um aumento chocante, com 322 mortes registradas entre 2021 e 2024. A principal responsabilidade por esses incidentes é atribuída a gangues criminosas que estabelecem escolas clandestinas de iniciação. Estas instituições operam fora da lei, cobrando altas taxas, frequentemente coercitivas, das famílias para realizar a Ulwaluko.
A lei e a resposta das autoridades
Em resposta à crescente preocupação e número de mortes, foi introduzida a Customary Initiation Act, que visa tornar ilegal a operação de escolas de iniciação não registradas. A nova lei também exige que todos os “cirurgiões tradicionais” sejam treinados e qualificados. As autoridades agora têm a capacidade de fechar escolas ilegais e prender seus responsáveis.
Até o momento, desde o início da temporada de iniciação em 30 de maio, pôde ser noticiada apenas uma morte, porém muitos temem que mais ocorrências sejam registradas conforme os rituais continuam. O Ministro do Departamento de Governança e Assuntos Tradicionais estabeleceu uma meta de zero mortes em escolas registradas, mas a pressão social e a tradição continuam a desafiar essa iniciativa.
A pressão social e as histórias pessoais
A pressão social para participar da cerimônia de iniciação é imensa. Aqueles que optam por não participar enfrentam estigmas e são frequentemente chamados de “Inkwenkwe” ou “meninos”, um insulto que os marginaliza. Scotty Dawka, um jovem de 19 anos que se submeteu à cerimônia apesar de temores sobre os riscos, afirmou: “Eu estava com muito medo, mas queria ser respeitado como um homem na minha comunidade.” Ele sobreviveu à experiência, embora tenha enfrentado complicações e dor significativa.
Histórias trágicas como a de Anne Kumalo, que teve seu filho sequestrado e levado para uma escola de iniciação ilegal, ressaltam ainda mais os perigos. Ela foi forçada a pagar R1000 (£43) para resgatar seu filho, que, junto com outros meninos, havia sido maltratado. Infelizmente, esses casos não são raros, com muitos meninos sendo sequestrados e submetidos a tratamentos cruéis.
Consequências dos rituais não regulamentados
As lesões mais graves frequentemente ocorrem devido a circuncisões mal executadas, realizadas por “enfermeiros” tribais que utilizam o mesmo instrumento em múltiplos meninos, resultando em infecções generalizadas. A falta de cuidado médico também é alarmante; muitos jovens não buscam tratamento por acreditarem que suas feridas cicatrizarão sozinhas, o que resulta em condições potencialmente fatais, como a sepse.
O significado espiritual da circuncisão, profundamente enraizado na cultura sul-africana, é muitas vezes eclipsado pela devastação causada por práticas inadequadas. A história do ex-presidente Nelson Mandela, que relatou sobre a importância de sua própria circuncisão, reflete a complexidade dessa tradição, que deve ser respeitada, mas que também precisa ser reformada para garantir a segurança dos jovens envolvidos.
Com iniciativas em andamento e um chamado à ação, a esperança é que a cerimônia de iniciação possa ser reformada, preservando sua essência enquanto coloca a segurança e a saúde dos jovens em primeiro lugar.