Em um canto tranquilo, escondido atrás de um pequeno portão verde em uma rua movimentada de Dharamshala, na Índia, crianças em uniforme jogam sob as chuvas intermitentes da monção. Mal sabem que uma delas pode ser a futura liderança espiritual de uma comunidade tibetana de seis milhões de pessoas. Na próxima semana, em 6 de julho, o 14º Dalai Lama completa 90 anos e, além das festividades, irá abordar a importante questão de sua sucessão.
Como será encontrada a próxima encarnação do Dalai Lama?
A busca por um sucessor é envolta em misticismo e pouco compreendida fora dos círculos religiosos. Monges tibetanos sêniores se dedicam a uma busca elaborada para encontrar a próxima encarnação do Dalai Lama, que envolve interpretação de sonhos, inferências de presságios e rituais antigos. Durante a cremação do Dalai Lama falecido, a direção da fumaça pode indicar o local de renascimento.
O atual Dalai Lama foi encontrado aos dois anos, quando um monge viu sua aldeia em uma visão no Lhamo Latso, o enigmático “Lago Oráculo” do Tibete. Quando os monges chegaram, o menino reconheceu artefatos do Dalai Lama anterior. “É meu,” disse ele. Aos 15 anos, ele assumiu o poder político total.
O próximo Dalai Lama provavelmente será uma criança. Tenzin Lekshay, porta-voz da Administração Central Tibetana (CTA), confirmou que é possível que a próxima encarnação seja encontrada na Índia, onde vivem aproximadamente 85 mil tibetanos em 45 assentamentos. Para Tenzin Wangmo, de nove anos, seria ideal que a nova encarnação nascesse em Dharamshala: “O Dalai Lama passou muito tempo aqui. Se ele for reencarnado aqui, também prosperará e viverá muito tempo.”
A professora de Wangmo, Tsering Dolma, expressou sua tristeza ao pensar sobre a morte do Dalai Lama. “Ele é uma figura tão importante em nossas vidas… mas temos que aceitar a realidade. A nova geração terá que assumir essa responsabilidade.” O sentimento é compartilhado entre muitos tibetanos exilados, que veem a sucessão como um aspecto crucial da sua identidade e central para o bem-estar da sua comunidade.
Em meio a celebrações e preocupações, a sucessão carrega um peso geopolítico significativo, especialmente considerando a relação tumultuada entre o Tibete e a China. Após a invasão chinesa em 1949 e a fuga do Dalai Lama em 1959, a situação dos tibetanos tem se tornado cada vez mais restrita sob o regime chinês, que implementou medidas agressivas para assegurar sua influência sobre o Tibete, incluindo o controle educacional e a proibição de práticas culturais tibetanas.
A atual administração chinesa deixou claro que não permitirá interferências estrangeiras no processo de sucessão do Dalai Lama. Há temores de que a China possa tentar encontrar sua própria versão de uma nova encarnação. Esta situação torna a resposta da Índia, dos EUA e da comunidade internacional crítica, especialmente depois que a administração Trump sancionou uma legislação que protege a sucessão do Dalai Lama como uma prerrogativa exclusiva da comunidade budista tibetana.
As incertezas em torno do processo de sucessão têm fez surgir preocupações sobre o futuro da identidade tibetana. “Para muitos, o Dalai Lama é uma figura paterna”, diz Rinchen Dorjee, um refugiado tibetano. Ele descreve o medo de perder não só uma figura de liderança, mas toda uma continuidade de identidade cultural.
Para os jovens tibetanos em exílio, a expectativa da próxima semana não é simplesmente uma celebração da longevidade do Dalai Lama, mas também um momento de reflexão sobre como a sua ausência poderá afetar o futuro da comunidade. “Estamos apenas tentando manter nossas identidades”, diz Tenzin Passang, de 28 anos, diretor de uma ONG tibetana. A juventude de Dharamshala, cheia de sonhos, continua a lutar para preservar sua herança, mesmo em meio a incertezas e desafios.
“Quando eu crescer, quero ser Miss Tibete”, brinca a pequena Tenzin Norgay, de dez anos, cujos sonhos giram em torno de retornar para ver a mãe que imigrou para os Estados Unidos. Enquanto isso, o futuro da liderança espiritual do Tibete permanece uma narrativa indecisa, esperando pela próxima criança que talvez assuma o manto de seu antecessor.