Na última sexta-feira, a Suprema Corte dos EUA, dominada por ministros conservadores, anunciou uma série de decisões cruciais que abordam desde o poder do judiciário até os direitos religiosos nas escolas. A atenção dos meios de comunicação concentrou-se, em geral, na redação das sentenças e em suas repercussões. Contudo, o depoimento da minoria liberal de apenas três juízes trouxe à tona divisões acentuadas no principal corpo jurídico do país e revelou a profunda preocupação com a saúde decrescente da sociedade cívica americana e a inclinação autoritária da presidência de Donald Trump.
Dissidentes expressam preocupação com os direitos civis
A juíza Sonia Sotomayor entregou uma crítica incisiva à decisão de 6-3 da corte, que limita o poder dos juízes de emitir injunções nacionais para bloquear ordens executivas federais. Ela leu sua dissidência diretamente da bancada em uma manobra que visava destacar a importância de seu posicionamento. A decisão é vista como um cerceamento do poder judiciário de limitar as ordens presidenciais, mesmo aquelas cuja constitucionalidade ainda não foi testada.
“Nenhum direito está seguro no novo regime jurídico que a Corte cria”, afirma a dissidência de Sotomayor, que contou com o apoio das juízas Elena Kagan e Ketanji Brown-Jackson. “Hoje, a ameaça é à cidadania por direito de nascimento. Amanhã, uma administração diferente pode tentar apreender armas de cidadãos de bem ou impedir pessoas de determinadas crenças de se reunirem para cultuar.”
À medida que a temporada de opiniões se encerra nos primeiros meses do segundo mandato de Donald Trump, as decisões da corte expandiram o poder da presidência e limitaram a capacidade de tribunais inferiores de bloquear sua agenda política.
Implicações das recentes decisões
No caso da cidadania por direito de nascimento, Trump v. Casa Inc, no qual a corte se manteve em silêncio sobre a constitucionalidade da ordem executiva de Trump, Sotomayor argumenta que isso minou o estado de direito. A juíza Ketanji Brown-Jackson, em uma dissidência que acompanha a opinião, destacou o ônus imposto às pessoas para defender seus direitos em tribunal. “A decisão de hoje permite que a Execução negue direitos que os Fundadores escreveram claramente em nossa Constituição, desde que essas pessoas não tenham encontrado um advogado ou solicitado a um tribunal de determinada maneira que proteja seus direitos”, afirmou Jackson.
As implicações das decisões também se refletiram em outras áreas, uma vez que a corte permitiu que pais optassem por retirar seus filhos de atividades escolares que apresentem personagens LGBTQ+ e autorizou os estados a exigir verificação de idade em sites pornográficos. A juíza Kagan, em sua dissidência, mencionou que essa legislação cria dificuldades financeiras para os operadores de sites, que enfrentam custos exorbitantes a cada verificação.
Um clima de censura nas escolas
A decisão que concede isenção religiosa também pode ter um efeito paralisante sobre as escolas, que podem optar por eliminar referências ao conteúdo LGBTQ+ em suas aulas para evitar litígios dispendiosos. “Requerer que as escolas informem previamente e ofereçam a chance de se opor a cada plano de aula ou história que possa implicar nas crenças religiosas de um pai imporá ônus administrativos impossíveis às escolas”, disse Sotomayor em sua dissidência.
Ela ainda enfatizou o esforço deliberado do conselho escolar do condado de Montgomery para criar um currículo inclusivo, que incluía o livro “O Casamento do Tio Bobby”, adicionado em 2022 à sua biblioteca. Este livro infantil, um dos cinco com personagens LGBTQ+, descreve o anúncio de casamento de um casal do mesmo sexo.
Reflexões finais sobre o futuro do direito e da democracia
Durante a entrega das decisões, o bloco conservador da corte manteve a maioria em três dos cinco casos. No entanto, em dois casos, houve divisões entre os conservadores, refletindo um debate interno sobre o equilíbrio de poderes. A decisão da maioria foi amplamente criticada pelos juízes liberais que lamentaram a erosão das avenidas legais disponíveis para os cidadãos defenderem seus direitos.
“O estado de direito não é um dado adquirido neste país, nem em nenhum outro. É um princípio de nossa democracia que só irá perdurar se aqueles que têm coragem, em todos os ramos, lutarem por sua sobrevivência”, concluiu Sotomayor. As opiniões divergentes revelam um panorama jurídico conturbado, desenhando um debate contínuo sobre o futuro das liberdades civis na América.