Brasil, 29 de junho de 2025
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Reação de uma prostituta ao filme “Anora”: a verdade por trás da ficção

Ao assistir ao filme “Anora”, dirigido por Sean Baker e estrelado por Mikey Madison, uma jovem acompanhante de Manhattan, Emma*, sentiu uma mistura de surpresa, irritação e tristeza. O filme, que ganhou cinco Oscars, retrata a vida de uma stripper que se casa com um herdeiro russo, levantando debates sobre a precisão das cenas e a representação do trabalho sexual na ficção.

O que há de real e o que é ficção em “Anora”

Para Emma, muitas cenas iniciais, como a rotina no clube, pareciam bastante fiéis à experiência diária de quem trabalha na indústria do entretenimento adulto. “Quando assisti ao começo, pensei: ‘isso parece comigo e com minhas amigas’.” No entanto, ela destacou que algumas situações, como Ani, a personagem principal, começarem a agir de forma tão sexualizada além do horário de trabalho, reforçam uma narrativa que ela considera estereotipada.

Desafios na representação do trabalho e das emoções

Emma questiona a narrativa de que a personagem estaria “apaixonada” por um cliente, alegando que, na prática, essa dinâmica é muito mais complexa. “Nós desempenhamos um papel, uma persona, que precisa estar sempre sensualizada no trabalho. Mas, na vida real, isso desaparece assim que saímos do clube.” Ela enfatiza que, para muitas profissionais, a dependência financeira do trabalho é uma questão prática, não emocional, e que relacionamentos românticos muitas vezes são marcados por ceticismo.

“O problema que me deixou mais irritada foi como o filme mostra Ani se ligando a ele por amor, como se fosse uma escolha genuína. Na minha experiência, nunca nos apaixonamos por esses homens de verdade — somos substituíveis, eles vêm e vão,” desabafa Emma.

Estereótipos e visões distorcidas

Ela também criticou a figura da “garota má” no clube, que o filme retrata como uma inimiga da personagem principal. “Essa dinâmica não existe na vida real, é coisa de roteiro. No meu ambiente, as meninas se apoiam, aprendem juntas e se protegem.” Para Emma, muitas dessas cenas reforçam o estereótipo do trabalho sexual como algo baseado em manipulação ou competição feminina, o que ela considera equivocado.

Sobre o relacionamento com clientes e a sinceridade

Emma explicou que muitos homens no clube se veem como “bons”, achando que podem “salvar” ou conquistar as prostitutas. “Eles pensam que nos seduzir ou pagar uma própria noite fará delas alguém que se apaixona. Isso é ilusão. Somos profissionais, não suas amantes,” afirma. Ela também destacou que mensagens de esperança ou de romantização são perigosas, especialmente para jovens que ainda não entendem a complexidade do trabalho.

“Tem muita gente que acha que o filme mostra uma história triste, então ela deve ser real. Mas, na verdade, a dor da prostituição vem da insegurança, do estigma e da falta de reconhecimento, não do sexo em si,” afirma Emma.

O final e a visão da profissional

A cena em que Ani, a personagem, chora no carro, foi especialmente dolorosa para Emma. Ela acredita que o filme perpetua a ideia de que o sofrimento é inerente ao trabalho, quando, na sua experiência, a maior dor vem da desvalorização e da precariedade financeira. “Gostaria que o filme mostrasse uma personagem que não cede às expectativas masculinas, que termina querendo deixar aquela vida.”

“As pessoas faturam com o sonho de um amor que não existe, com a ilusão de que o sofrimento é necessário para ser verdadeiro,” conclui Emma. Ela acredita que o maior problema do filme é reforçar uma narrativa que transforma o trabalho sexual em um drama digno de pena, ao invés de reconhecer a autonomia e a força de quem atua nessa área.

*Nome fictício para preservar a identidade.

*Emma é uma profissional de 25 anos que trabalha como acompanhante e dançarina em Manhattan há dois anos. Sua opinião foi compartilhada em uma conversa franca sobre como a narrativa do filme se relaciona com sua vida e sua visão do trabalho sexual.

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