Ao assistir ao filme “Anora”, dirigido por Sean Baker e estrelado por Mikey Madison, Emma*, uma acompanhante de 25 anos, se sentiu instintivamente furiosa. O filme, que celebra a ascensão de uma stripper que se casa com um herdeiro russo, conquistou cinco Oscars e foi elogiado por sua representação do universo do sexo e do trabalho sexual. Porém, a reação de Emma revela uma visão muito diferente da proposta cinematográfica, baseada na sua vivência profissional e na compreensão do que é a realidade da indústria.
Representação fiel ou romantizada do trabalho sexual?
Emma afirmou que muitas cenas iniciais do clube de striptease parecem bastante reais. “Quando assisti às cenas de abertura, senti como se estivesse no trabalho, o que provavelmente indica uma representação fiel”, comentou. Ela destacou, no entanto, que seu incômodo começou quando o filme apresentou Ani — personagem de Madison — como alguém que, ao se envolver com Vanya, parece romantizar a profissão e a relação financeira, algo que ela considera uma distorção prejudicial.
Exploração emocional e dependência financeira
Dependência afetiva x autonomia
Para Emma, o momento mais problemático foi quando Ani, após o casamento, passa a se comportar de uma forma excessivamente sexualizada, reforçando uma narrativa que ela considera ser uma fantasia masculina. “Ela ainda se apresenta como alguém completamente entregando ao desejo do homem, o que na minha visão, é uma percepção distorcida do que realmente acontece na indústria”, explicou. Segundo ela, a relação de dependência financeira e emocional muitas vezes é mal representada, reforçando o estereótipo de que a mulher precisa de um homem para se sustentar.
Ela acrescenta que essa fantasia de que há um amor verdadeiro por trás do trabalho é uma visão enganosa, especialmente porque, na prática, ela observa que os homens se sentem muitas vezes “entitled” a informações pessoais e acreditam que podem ter uma relação emocional maior do que realmente existe. “Ninguém na indústria se apaixona de verdade”, reforçou Emma.
Estereótipos e cenas de vulnerabilidade
Emma também criticou a idealização do sofrimento, que ela vê como uma tendência do cinema de explorar emoções femininas de modo sensacionalista. “Mostrar dor é uma estratégia fácil para vender a história de uma mulher que sofre, mas na minha experiência, a maior dor vem da insegurança financeira e da falta de reconhecimento na sociedade”, frisou. Para ela, a narrativa muitas vezes reforça a ideia de que mulheres na indústria do sexo estão destinadas ao sofrimento, reforçando uma imagem que ela quer contestar.
O impacto da ficção na percepção do público e na própria indústria
Emma se preocupa com o efeito que filmes como “Anora” podem ter na cultura, especialmente na formação de expectativas de jovens homens e mulheres. Ela teme que adolescentes e jovens adultos possam interpretar a personagem de Madison como uma representação ideal do trabalho sexual, o que não condiz com a sua experiência real. “Atores e roteiristas reforçam uma narrativa de que o sexo é uma forma de amor, de que o trabalho sexual é uma jornada de sofrimento e paixão — mas isso está longe da verdade”, ela afirmou.
Ela reforça ainda que, na prática, muitas mulheres veem suas rotinas marcadas pelo cansaço, pela necessidade de segurança financeira e pela busca por autonomia — aspectos que, segundo ela, o filme infelizmente não retrata adequadamente. “Na minha realidade, o que mantém a gente no trabalho são as amizades, a inteligência e a força de estar no controle da própria vida”, completou.
Reflexões finais: uma crítica à romantização do sofrimento
Emma deixou claro que sua indignação não é contra a indústria em si, mas contra as representações que perpetuam um estereótipo de vulnerabilidade e submissão. “O que me incomoda é pensar que estamos sendo usadas como símbolo de sofrimento para o entretenimento de pessoas que, muitas vezes, desconhecem nossa verdadeira rotina”, concluiu. Para ela, filmes como “Anora” reforçam uma narrativa dramática que beneficia interesses comerciais às custas de uma compreensão mais realista e empática do trabalho sexual.
*Nome fictício para garantir privacidade.
Impactos na percepção pública e na comunidade de trabalhadores sexuais
Por fim, Emma ressalta a importância de uma representação mais autêntica e menos romantizada do universo do sexo, destacando a necessidade de que a sociedade entenda que a autonomia, a inteligência e a força das mulheres no setor são o que realmente as mantém firmes na sua escolha. “Precisamos de uma narrativa que valorize a nossa resistência, ao invés de alimentarmos histórias de sofrimento que só reforçam o preconceito”, ela finaliza.