À medida que agentes de imigração detêm imigrantes de forma violenta e os deportam, figuras públicas reforçam a narrativa de que eles são “hardworking”. Contudo, essa abordagem pode esconder questões mais profundas relacionadas à proteção e aos direitos dessas populações.
O que está por trás da expressão “hardworking”
Ao elogiarem os imigrantes pelo esforço, alguns esquecem que esse reconhecimento muitas vezes serve como uma forma de justificar condições de trabalho precárias e exploração. Vanessa Cárdenas, diretora da organização de defesa dos imigrantes America’s Voice, ressalta que o foco deve ser na dignidade, independentemente do nível de esforço.
“Quando usamos a expressão ‘hardworking’, podemos estar reforçando a ideia de que eles só deveriam fazer os empregos que ninguém quer, sem considerar suas vulnerabilidades”, afirma Cárdenas. Ela destaca que a política de perseguição indiscriminada causa prejuízos irreparáveis às famílias e às comunidades, afetando sua dignidade e bem-estar.
O impacto social e econômico da valorização seletiva
Imigrantes realizam trabalhos essenciais para a economia americana, como colheita de alimentos, trabalho na saúde e na construção, muitas vezes em condições arriscadas e sem acesso a direitos trabalhistas. Segundo a análise do relatório da New American Economy, eles representam uma parcela significativa da força de trabalho nesses setores, muitas vezes sem autorização formal.
No entanto, essa valorização do esforço pode mascarar a exploração. Soraya Chemaly, ativista, explica que chamar alguém de “hardworking” reforça uma lógica capitalista e racista, em que o ser humano é visto como recurso, e não como alguém com direitos e dignidade.
O histórico e o discurso discriminatório
Michael Lechuga, professor da Universidade do Novo México, destaca que a associação de imigrantes com esforço extremo remonta ao programa Bracero, dos anos 1940-1960, que limitava o conceito de trabalhador à sua mão de obra. Essa visão reducionista continua vigente, alimentando discursos que demonizam a permanência de migrantes no país.
Segundo Lechuga, essa narrativa contribui para que a sociedade deixe de enxergar na totalidade o ser humano por trás do imigrante — uma pessoa que merece cuidado e respeito, independentemente de sua produtividade.
Por que respeitar a integridade dos imigrantes é fundamental
Assim como Kiké Hernández, jogador do Los Angeles Dodgers, que afirmou em post no Instagram: “Todos merecem ser tratados com respeito, dignidade e direitos humanos”, é preciso entender que a luta por dignidade não se limita a reconhecer o esforço ou a contribuição econômica.
De acordo com Chemaly, a expressão “hardworking” muitas vezes serve para legitimar sistemas de exclusão, em que pessoas vulneráveis são vistas apenas como recursos a serem explorados, e não como indivíduos que merecem espaço e proteção.
Construindo uma visão mais humanitária
Para avançar numa perspectiva mais inclusiva, é necessário reconhecer que os imigrantes existem e merecem respeito por sua condição de seres humanos, sem necessidade de qualificativos que reforçam estereótipos. Sua presença é fundamental para a diversidade e sustentabilidade social e econômica.
Como destacou Hernández, a valorização deve estar na dignidade de todos, independentemente do que fazem ou deixam de fazer pelo país, reforçando o reconhecimento de que eles são nossos vizinhos, familiares e amigos.