Em entrevista ao Wall Street Journal, a congressista republicana Kat Cammack afirmou que a relutância de médicos em interromper uma gravidez de risco, após uma experiência de gravidez ectópica, foi influenciada pelo medo gerado por discursos liberais e pelas leis de aborto restritivas na Flórida. A parlamentar relatou que, apesar de precisar de tratamento imediato, a equipe hospitalar hesitou diante da ameaça de punições criminais.
Quando a legislação interfere na atenção médica
O episódio ocorreu quando Cammack tinha cerca de cinco semanas de gestação, com o embrião sem batimentos cardíacos, uma condição potencialmente fatal. Apesar do risco de vida, ela enfrentou dificuldade para obter o procedimento necessário devido ao medo do hospital de sofrer consequências jurídicas, uma preocupação reforçada pela proibição de aborto após seis semanas na Flórida, vigente desde o ano passado.
Conforme relatado pela congressista, ela precisou argumentar por horas e tentou contato com o gabinete do governador Ron DeSantis para receber o tratamento adequado. Apenas após sua insistência, conseguiu o soro de metotrexato, utilizado para interromper a gravidez ectópica, um procedimento de emergência.
Discurso de dissonância cognitiva e críticas ao espectro político
Surpreendentemente, a própria Cammack atribuiu parte do problema ao que chamou de “medo infundido pelo liberalismo”, dizendo que a narrativa progressista teria causado a apreensão dos médicos diante da possibilidade de punições legais por realizar procedimentos de aborto, mesmo quando necessário para salvar vidas.
Ela afirmou ainda que defenderia qualquer mulher — independentemente de alinhamento político — que precisasse de assistência em casos de aborto emergencial, embora insistisse que sua experiência não foi, na opinião dela, uma intervenção abortiva, mas uma questão de saúde de emergência.
Consequências das leis restritivas e vidas perdidas
Leis de aborto restritivas, como as vigentes na Flórida e em outros estados vermelhos, têm causado atrasos ou clandestinidade de atendimentos essenciais, resultando na morte de mulheres. Segundo o Center for Reproductive Rights, mulheres como Amber Thurman, Josseli Barnica e Nevaeh Crain perderam suas vidas após delays e obstáculos provocados por leis antiaborto.
Dados de entidades como o Gender Equity Policy Institute mostram que Texas, por exemplo, lidera o país em mortalidade materna, especialmente entre mulheres negras, resultado de legislações que criminalizam o acesso ao procedimento. Os médicos temem punições severas, incluindo prisão e perda de licença, levando a que muitos procrastinem ou recusem a realização de abortos.
Reflexões e posicionamentos
Para ambientalistas e especialistas em saúde reprodutiva, é claro que a criminalização do aborto prejudica diretamente a vida de muitas mulheres, impedindo o atendimento necessário e gerando mortes evitáveis. A postura de Cammack, ao tentar deslegitimar a discussão ao culpar o que ela chama de “medo liberal”, ignora o impacto real dessas leis na vida de tantas pessoas.
Enquanto ela afirma estar ao lado de todas as mulheres que enfrentam emergências de saúde reprodutiva, sua atuação política continúa apoiando uma agenda que restringe direitos e compromete a saúde pública. Até que se reconheça a necessidade de garantir o acesso universal à assistência, opiniões como a de Kat Cammack permanecem como obstáculos ao avanço de direitos essenciais.
É hora de os líderes políticos assumirem responsabilidade pela saúde de suas comunidades e deixarem de responsabilizar partidos ou discursos que, na prática, salvam vidas, ao invés de colocá-las em risco.