No coração de Fortaleza, Maria Elisier Balidas, de 84 anos, e Maria Martha dos Santos, de 79 anos, têm resistido a um processo de demolição que ameaça suas casas e suas histórias. Ambas são as últimas moradoras do Edifício Kátia, um prédio de três andares localizado próximo à praia, cercado por dez apartamentos vazios que foram abandonados por vizinhos que aceitam propostas feitas por uma construtora que planeja construir um empreendimento de alto padrão no local.
A luta pela permanência
Elisier e Martha se tornaram protagonistas de uma batalha judicial contra a construtora Reata Arquitetura e Engenharia. Enquanto a maioria dos condôminos aceitou a proposta de permuta, que previa a troca de seus apartamentos por unidades no novo edifício, as idosas decidiram não sair de casa. Elisier, que vive no Edifício Kátia há 30 anos, expressa seu medo: “Areti, tô com medo de ficar aqui nesse prédio assombrado”, diz ela, referindo-se ao estado de abandono ao redor.
O advogado das duas, Stênio Gonçalves Silva, denuncia que as idosas estão sofrendo intimidações e pressões por parte da construtora. “Estamos lidando com um caso de coerção onde duas idosas se encontram em uma situação extremamente vulnerável”, afirma. A Advocacia da construtora, por outro lado, nega qualquer coação e se justifica dizendo que o processo de demolição foi considerado “espontâneo” pelos demais moradores.
Os apartamentos e as propostas
O novo projeto urbanístico pretende transformar o terreno onde o Edifício Kátia e outros dois blocos estão localizados em uma torre de 21 andares, com apartamentos de alto padrão avaliados entre R$ 1,9 milhão e R$ 2,8 mil de ajuda de custo durante a transição. No entanto, as ofertas de R$ 450 mil pela compra dos imóveis das idosas são consideradas insuficientes por elas e suas famílias, que advogam por uma proposta mais justa e condizente com o valor do mercado imobiliário na região.
A resiliência de duas mulheres
Elisier e Martha não são apenas moradoras; são mulheres que construíram suas vidas nesses apartamentos. Para Elisier, a história inclui momentos significativos, como a perda de seu marido e um dos filhos. “Aqui é meu ninho, minha saudade”, diz, referindo-se ao lar que representa muito mais que uma simples casa. Martha, que se mudou para o Edifício há 15 anos, traz consigo um passado igualmente rico, onde a pintura e a criatividade a ajudaram a se reconectar com sua identidade e suas raízes.
Ambas afirmam que a proposta de mudança não é apenas uma questão de propriedade, mas uma luta por suas histórias, por suas memórias e, principalmente, por um sentido de pertencimento. “O que estão fazendo conosco dói profundamente. Não é só o imóvel em si: é a perda de uma história, de tudo o que construímos com respeito, simplicidade e união”, desabafa Martha.
Contexto imobiliário em Fortaleza
O caso das duas idosas não é isolado. Ele reflete a pressão que moradores de áreas valorizadas enfrentam diante do avanço do mercado imobiliário em Fortaleza e em várias cidades do Brasil. A transformação urbana está redefinindo o skyline da capital cearense, onde prédios históricos estão dando lugar a grandes empreendimentos. Enquanto isso, Elisier e Martha se vêem numa luta que, embora pessoal, ecoa em uma narrativa mais ampla sobre a gentrificação e a proteção do patrimônio afetivo.
A pressão para a transformação do espaço urbano frequentemente coloca o valor econômico acima das histórias e das vidas das pessoas. Academicamente, Renato Pequeno, do Laboratório de Estudos da Habitação da UFC, explica que a flexibilização das leis de construção permite que empreendimentos novos e de alto padrão substituam prédios mais antigos e frequentemente habitados por pessoas que não têm para onde ir.
“Essas histórias, infelizmente, tendem a se repetir, refletindo uma luta de classes e de direitos que é muito mais ampla”, conclui Pequeno.
Um final incerto
Atualmente, a disputa jurídica continua, e o futuro de Elisier e Martha permanece incerto. Contudo, sua resistência é um testemunho poderoso da importância do lar e da conexão emocional que nós, como seres humanos, temos com os lugares onde vivemos. À medida que a cidade avança em direção ao novo, as vozes de Elisier e Martha se levantam como um lembrete de que cada casa guarda uma história e cada habitante tem um direito de permanecer onde se sente seguro e amado.