Tzvetan Todorov talvez nunca tenha batido um pênalti na vida. Nascido na Bulgária e radicado na França, esse filósofo e historiador ganhou fama ao refletir sobre como os europeus lidaram com os povos indígenas da América na época dos descobrimentos. Seu livro “A Conquista da América: A questão do outro” é uma obra que provoca reflexões profundas sobre a alteridade e poderia muito bem ser aplicado ao contexto esportivo atual, especialmente quando falamos do futebol sul-americano no cenário global.
A complexidade da alteridade no futebol
O filósofo Todorov argumenta que, mais do que espadas ou cruzes, os colonizadores trouxeram ao Novo Mundo uma dificuldade crônica de reconhecer o outro. Este fenômeno permanece atual, refletindo-se até mesmo nos gramados contemporâneos. Avançamos para o século XXI com a Fifa reinventando o Mundial de Clubes, e lá estão os “conquistadores modernos” equipados com tecnologia e planejamento, mas muitas vezes sem a capacidade de lidar com a diferença que o futebol sul-americano proporciona.
O futebol daqui é um “outro” difícil de explicar para quem não cresceu entre arquibancadas fervilhantes e campos com ensaios improvisados. O europeu, acostumado ao planejamento e à disciplina, se vê diante de uma realidade que desafia suas expectativas. O improviso, a entrega e o calor humano presentes no futebol sul-americano demonstram uma lógica distinta, onde a criatividade e a paixão superam as limitações que possam existir.
Reconhecimento e respeito nos campos de jogo
As surpresas das vitórias do Botafogo sobre o PSG, do Flamengo contra o Chelsea e do Fluminense contra o Borussia Dortmund não são meras coincidências. Elas revelam que o futebol, embora tenha sido criado na Inglaterra, não se resume a fórmulas exatas, mas sim a um jogo repleto de riscos e imprevistos. É ali que a história se recria, onde o respeito por aqueles que jogam do outro lado pode gerar aprendizado e uma nova forma de entendimento do esporte.
Luis Enrique, técnico do PSG, exemplifica essa mudança de paradigma ao reconhecer a performance do Botafogo, elogiando sua defesa precisa contra os campeões da Europa. Esse tipo de reconhecimento é fundamental: não se trata de atribuir a culpa ao calor ou à falta de motivação, mas sim de reconhecer que no campo há também outros jogadores, com habilidades e talentos que merecem respeito.
Um laboratório ético do futebol global
O Mundial de Clubes assumiu um papel como um verdadeiro laboratório ético, onde europeus têm a chance de ouvir, observar e aprender com os sul-americanos. Não é uma questão de hierarquias de competência, mas de entender que existem diferentes maneiras de jogar e entender o futebol e a própria vida. A igualdade se dá na diversidade, e o que é diferente não deve ser visto como inferior, mas sim como mais uma forma de enriquecer o esporte.
Se Todorov estivesse entre nós, sua análise se estenderia ao futebol: talvez bastasse observar um toque decisivo como o de Wallace Yan, garantindo a vitória rubro-negra, ou contemplar a leveza de Igor Jesus driblando os defensores parisienses. Nesse momento, “o outro” deixa de ser um mistério e torna-se uma fonte de encantamento, comprovando que no futebol, tudo é possível.
Conclusão: a beleza do jogo e da alteridade
O futebol sul-americano nos ensina sobre a beleza da alteridade. As lições desse “outro” são valiosas e configuram um novo entendimento que vai além das competições. É fundamental que, ao se deparar com a diversidade, possamos apreciar suas nuances, respeitar suas tradições e reconhecer que todos têm algo a ensinar dentro e fora do campo. Afinal, a bola é redonda e, quando rola, pode ir a qualquer lugar, levando consigo a essência do que significa ser um verdadeiro jogador: respeitar os outros e a si mesmo.
Ao final, o futebol revela-se uma grande metáfora da vida — um espaço onde todos nós, independentemente de nossa origem, podemos contestar, aprender e evoluir juntos.