Kensington, um bairro localizado ao norte da Filadélfia, onde o Flamengo inicia sua trajetória no Mundial de Clubes, se tornou sinônimo de uma crise humanitária preocupante que assola os Estados Unidos nos últimos anos. A epidemia de drogas sintéticas transformou as ruas do bairro em um cenário quase distópico, repleto de lixo, habitantes desorientados e o comércio desenfreado de entorpecentes, evocando imagens comuns em filmes e séries. Esta situação levanta questões urgentes sobre a saúde pública e segurança na área.
A realidade devastadora da epidemia de fentanil
As cenas em Kensington são alarmantes. Homens e mulheres cambaleiam ou permanecem paralisados sob o efeito do fentanil — um anestésico mais viciante que a heroína e mais potente que a morfina — e da xilazina, um tranquilizante veterinário barato usado para sedar animais. As feridas expostas em muitos indivíduos são um resultado de injeções repetidas feitas em condições absolutamente insalubres. O cenário não é exclusivo a Kensington; áreas centrais da cidade também apresentam situações semelhantes. Um exemplo chocante foi flagrado perto do Lincoln Financial Field, onde um homem foi visto sentado com a seringa ainda no braço.
Recentemente, a agência Associated Press noticiou que outra substância, a medetomidina, começa a ganhar espaço em misturas ilícitas de fentanil, especialmente em cidades como Chicago, Pittsburgh e Filadélfia. Dados alarmantes revelam que cerca de 72% das amostras testadas na Filadélfia continham essa substância. Os sintomas de abstinência são atípicos e não podem ser tratados com naloxona, o medicamento tradicionalmente usado para neutralizar os efeitos de overdoses de opioides.
Um apelo à ação
Rahul Gupta, Diretor do Escritório de Política Nacional de Controle de Drogas (ONDCP), expressou sua preocupação ao New York Times: “A introdução de drogas como o fentanil no mercado ilícito de drogas é um fenômeno devastador, pois pode matar em doses mínimas. O cenário em Kensington reflete essa realidade, onde as drogas não apenas dominaram a comunidade, mas também impedem que as pessoas façam escolhas conscientes. Precisamos de uma abordagem abrangente que inclua prevenção, tratamento, redução de danos e policiamento.”
A degradação de Kensington é resultado de décadas de negligência política, pobreza crônica e falhas nos sistemas de saúde e segurança pública. Uma área que já foi um próspero polo industrial no século XX enfrenta agora a falta de empregos e de investimentos, criando um terreno fértil para o tráfico e o uso de drogas. Apesar da ampla cobertura da mídia sobre a situação, as autoridades continuam a ter dificuldades em implementar soluções efetivas.
Soluções para reduzir mortes não se traduzem nas ruas
Em um esforço para lidar com a crise, a prefeita da Filadélfia, Cherelle Parker, lançou um programa piloto que utiliza drones para aumentar a vigilância em áreas problemáticas. Além disso, há um investimento na ampliação do Tribunal do Bem-Estar do Bairro (Neighborhood Wellness Court), que oferece avaliação de saúde e comportamental no mesmo dia em que indivíduos são abordados por crimes associados ao uso de drogas. O objetivo é fornecer cuidados médicos básicos, gerenciamento de abstinência e o encaminhamento para tratamento de forma mais imediata.
Um relatório recente revelou uma redução de 25% nas mortes por overdose em todo os EUA e uma queda de 33% nos óbitos por opioides sintéticos em 2024. Essa diminuição foi atribuída às iniciativas de saúde pública e à distribuição de naloxona. Contudo, cortes federais e políticas de endurecimento no combate às drogas, implementadas durante a administração do ex-presidente Donald Trump, têm enfraquecido esses programas de redução de danos. Enquanto isso, moradores que não estão envolvidos com o uso de drogas enfrentam o medo e a insegurança diariamente, além da estigmatização que recai sobre a comunidade. Muitos comerciantes fecharam suas portas e famílias inteiras evitam sair após o anoitecer.
No entanto, em meio a essas dificuldades, o fentanil continua a ser barato e acessível no coração de Kensington, custando entre US$ 3 (R$ 16) e US$ 5 (R$ 27) por dose. Moradores relatam pouca mudança em suas realidades, apesar da atenção internacional que o bairro está recebendo com a realização do Mundial de Clubes. Com a chegada de turistas, a situação se torna ainda mais evidente, mas não parecem haver ações efetivas que chamem a atenção para os problemas reais enfrentados por quem vive ali. Os “zumbis” da epidemia permanecem invisíveis enquanto a bola rola.