Ao assistir ao filme “Anora”, dirigido por Sean Baker e estrelado por Mikey Madison, uma trabalhadora sexual de Nova York teve uma forte reação de raiva e frustração. Emma*, uma acompanhante e dançarina de 25 anos, disse que o filme oferece uma visão distorcida da vida na indústria do sexo, reforçando estereótipos prejudiciais e fantasias masculinas.
Reconhecendo a realidade versus a ficção em “Anora”
Emma destacou que várias cenas do começo do filme pareciam reais, especialmente as que retratam o ambiente de um clube de strip. “Quando assisti às cenas iniciais, pensei que era uma representação fiel, porque parecia como se estivesse no meu trabalho”, afirmou. No entanto, ela alertou para as diferenças cruciais na narrativa, principalmente na forma como os personagens lidam com dinheiro, dependência emocional e dinâmicas de poder.
Desconectada da experiência real
Para Emma, a cena em que Ani, a personagem principal, questiona um cliente sobre fazer sexo novamente no horário pago é um exemplo de como o filme simplifica a relação de trabalho, ao ignorar as decisões conscientes das profissionais. “Nós não continuamos a fazer sexo arriscado só porque já recebemos pelo serviço”, explicou. “E é importante que o filme mostre que trabalhamos para sermos independentes, não para depender de alguém.”
Percepções sobre o relacionamento e a sexualidade na indústria
Emma também criticou a forma como “Anora” retrata a personagem Ani como excessivamente sexualizada após o casamento, o que, na opinião dela, reforça uma fantasia masculina de controle e dominação. “Quando ela começa a agir como uma mulher extremamente sexy o tempo todo, parece uma fantasia masculina de como eles imaginam um relacionamento com uma mulher na indústria”, disse. “Na vida real, não usamos essa persona o tempo todo, porque isso nos desgasta emocionalmente.”
Sentimentos de injustiça e decepção
A acompanhante expressou que a narrativa do filme apresenta uma visão distorcida das relações de trabalho e dos limites estabelecidos por quem atua na área. “O que me irrita profundamente é a ideia de que ela, por ser ‘experiente’, acreditaria que alguém como Vanya iria realmente querer ficar com ela pelos motivos corretos”, comentou. “Nós sabemos que somos facilmente substituíveis e que eles só querem a fantasia.”
Ela ainda destacou a questão de homens que acreditam serem “doces” ou “bons”, querendo salvar ou proteger as profissionais do sexo ao mesmo tempo em que as tratam com paternalismo. “Muitos dessas pessoas pensam que podemos acabar se apaixonando por elas, o que é completamente falso”, afirmou Emma.
Reflexões sobre as representações emocionais no filme
Para Emma, a cena final do filme, em que a personagem principal parece emocionalmente destruída, reforça um clichê de representação de dor na indústria do sexo. “A ideia de que uma mulher deve estar sempre triste e emocionalmente vulnerável industrializa uma fantasia de sofrimento, como se fosse a única narrativa válida”, criticou.
Ela acredita que essa abordagem contribui para a perpetuação de imagens equivocas e prejudiciais, além de minimizar as experiências reais das profissionais, que muitas vezes lidam com insegurança financeira, discriminação e falta de respeito.
Chamada à reflexão e representação verdadeira
Emma finaliza dizendo que o filme, embora bem produzido, funciona principalmente como uma fantasia masculina, explorando emoções e histórias que não representam a maioria das experiências na indústria do sexo. “O que é mais frustrante é ver que a narrativa do filme se mantém fiel a um ideal que beneficia o olhar masculino e ignora a complexidade da nossa real vivência”, concluiu.
*Nome fictício para preservar anonimato
*A opinião de Emma reflete uma visão realista, baseada em sua vivência, que desafia as distorções e clichês apresentados em produções cinematográficas como “Anora”.