Na cidade de Gbapleu, uma corda amarrada entre dois tonéis de metal serve de fronteira improvisada entre a Costa do Marfim e a Guiné. Um fluxo irregular de motos e carros carregados de passageiros, alimentos e utensílios atravessa o ponto, enquanto traficantes aproveitam a alta dos preços do cacau para ampliar suas operações ilegais.
A expansão do contrabando de cacau impulsionada pelos preços internacionais
Desde 2023, os preços globais do cacau quase triplicaram, atingindo cerca de US$ 13 mil por tonelada em dezembro, antes de recuar para aproximadamente US$ 9 mil. Essa variação foi provocada por condições climáticas adversas, surtos de pragas e décadas de subinvestimento nos principais países produtores, elevando os custos do chocolate mundialmente.
Apesar da valorização, os agricultores na Costa do Marfim — maior exportador da commodity — enfrentam dificuldades. O setor é controlado pelo órgão regulador estatal, o Conseil du Café-Cacao (CCC), que fixa os preços das cotas de venda, atualmente cerca de um terço do valor de mercado internacional, estimulando o contrabando para países vizinhos com sistemas de precificação mais favoráveis.
Rotas alternativas e riscos do comércio ilegal
Contrabandistas percorrem trilhas de terra espalhadas pelas florestas, carregando sacas de cacau de aproximadamente 65 quilos durante a noite, desviando de postos de controle. Os lucros são altos, podendo chegar a mais de US$ 240 semanais, e compensam o risco de até 10 anos de prisão ou multas de 50 milhões de francos CFA (US$ 86.640) para quem for pego.
Fred, um contrabandista na cidade fronteiriça de Danané, afirmou: “Deus tem estado do nosso lado nesta temporada”. As redes organizadas por trás do contrabando envolvem operadores influentes aliados a funcionários públicos corruptos, facilitando a passagem ilegal de toneladas de cacau.
Impactos nacionais e desafios de fiscalização
David Dadié, diretor do CCC, afirma que há uma enorme perda na colheita marfinense devido ao exporte ilegal. O país não investiu significativamente na ampliação da produção interna, apesar do aumento de embarques em 15% na temporada de 2023-2024, conforme dados da Trade Data Monitor, com uma exportação que cresceu 15% em relação ao ano anterior.
O contrabando também prejudica as receitas do estado, já que o setor do cacau responde por cerca de 40% das divisas estrangeiras na Costa do Marfim. As exportações oficiais caíram 30% na temporada, enquanto aproximadamente 100.000 toneladas de cacau teriam sido desviadas para a Guiné, Togo e Libéria, em meio às dificuldades climáticas e ao mau tempo.
Medidas governamentais e obstáculos na repressão
O governo intensificou ações contra o contrabando, com operações que apreenderam mais de 590 toneladas de cacau e prenderam 34 pessoas desde outubro do ano passado. A criação de uma força-tarefa e a mobilização do exército na fronteira fazem parte do esforço para combater o comércio ilícito.
No entanto, as redes continuam ativas, apoiadas por corrupção e desembolsos elevados em subornos que variam entre US$ 8 mil e US$ 21 mil por caminhão. Sob condições de impunidade, muitos comerciantes preferem pagar valores acima do oficial para garantir a compra do cacau, comprometendo a rastreabilidade e dificultando o combate às questões ambientais e de direitos humanos na cadeia produtiva.
Preocupações com a rastreabilidade e futura regulamentação
Com a entrada em vigor do Regulamento Europeu do Desmatamento (EUDR) em dezembro, que exige comprovação da origem do cacau até a fazenda, os comerciantes temem ainda mais o aumento do contrabando e a dificuldade de garantir a transparência nas cadeias de suprimento, elevando o risco de sanções e penalizações.
Apesar das condições adversas, o setor de cacau tenta se reorganizar e expandir sua produção de forma consciente, com iniciativas como investimentos em agricultura regenerativa e produção orgânica no Brasil, buscando aproveitar a valorização global para fortalecer sua posição de mercado.
Entre os desafios permanecem a cooperação internacional, o combate às redes criminosas e a implementação de políticas mais eficazes para proteger o setor e garantir a sustentabilidade da cadeia produtiva do cacau na região.
Fonte: O Globo