Ao assistir ao filme “Anora”, dirigido por Sean Baker e estrelado por Mikey Madison, Emma*, uma acompanhante e dançarina de 25 anos, sentiu uma mistura de raiva e frustração. Sua reação revela uma visão crítica e necessária sobre a representação da profissão e as ideias que o filme reforça ou distorce.
Realidade versus ficção na representação do trabalho sexual
Emma afirmou que muitas cenas iniciais do clube foram precisas, o que a fez inicialmente pensar que o filme refletia sua vida. “Quando vi as primeiras cenas, achei que eram reais, porque me senti como se estivesse no trabalho”, explicou. No entanto, ela destacou que diversas situações apresentadas, especialmente as que envolvem relacionamentos amorosos dentro do contexto da cena, não condizem com a sua experiência.
“Nunca na minha rotina eu iria avançar com mais sexo só porque o cliente pagou uma hora, por exemplo. Essa questão deixou claro que o filme mistura ficção com realidade”, diz ela.
Críticas à romantização e à visão masculina sobre o trabalho sexual
Ao analisar a personagem Ani, Emma ficou especialmente irritada com as cenas em que a personagem demonstra um desejo marcado por uma sexualidade excessiva e por uma dependência emocional que ela acredita não condizer com a rotina da maioria das profissionais do setor. “A gente atua de uma forma que parece estar sempre disponível, mas isso é uma construção”, afirma.
Ela critica, ainda, a narrativa de que Ani estaria apaixonada por Vanya (o personagem masculino), dizendo que quem trabalha na indústria sabe que essa ligação é muitas vezes uma ilusão criada por expectativas masculinas. “Nós somos substituíveis, e não se apaixonam de verdade por nós”, relata.
Impactos do filme na percepção pública e riscos de idealizações
Emma aponta que o filme reforça uma visão errada de que o trabalho sexual é uma carreira emocionalmente fácil ou romantizada. “Infelizmente, muitos jovens meninos podem achar que mulheres de clubes desejam relacionamentos amorosos, quando na verdade o que queremos é dinheiro, segurança e respeito”, denuncia.
Ela também reforça a importância de mostrar a dor real vivida na profissão, que frequentemente está relacionada a questões financeiras e à falta de reconhecimento social, e não apenas à sexualidade.
Sátira ou denúncia: a questão do final do filme
O desfecho em que a personagem Ani se encontra emocionalmente destruída após o relacionamento gerou ainda mais revolta em Emma. “O fim parece uma fantasia masculina de que uma mulher do setor se apaixona, se desilude e sofre por isso, o que é uma visão completamente distorcida”, critica ela. “Ela deveria ter jogado o telefone dele fora e cortado qualquer ligação.”
Para Emma, a mensagem do filme reforça o clichê de que o sofrimento da mulher em sex work é uma narrativa triste, muitas vezes vista como verdadeira por quem assiste de fora, mas que não condiz com a rotina de muitas profissionais que buscam autonomia e independência.
O que a indústria realmente representa para as profissionais
Emma destaca que o que a mantém na profissão são as amizades e a inteligência que ela e suas colegas compartilham. “As mulheres que trabalham comigo são fortes, capazes e muito mais do que uma figura sexual”, afirma.
Ela critica ainda o romantismo presente na tela, que reforça a ideia de que todas as trabalhadoras do sexo vivem experiências trágicas ou idealizadas, quando na verdade muitas buscam simplesmente viver de forma independente, com dignidade.
Conscientização e o papel da representação realista
Para Emma, é importante que produções como “Anora” sejam acompanhadas de críticas que questionem a romantização do trabalho sexual e que representem seus aspectos mais complexos e reais. “Precisamos de filmes que deem voz às profissionais e não apenas reforcem o imaginário masculino ou a fantasia de sofrimento”, conclui.
*Nome fictício usado para preservar a privacidade da entrevistada.