Nos últimos 20 anos, a mídia impressa enfrentou desafios significativos devido ao avanço das tecnologias digitais. O Craigslist desmantelou os classificados pagos, sites gratuitos levaram os leitores a questionar o valor de assinaturas de jornais e revistas, e o smartphone, junto com as redes sociais, transformou a leitura de artigos longos em uma tarefa trabalhosa. Agora, a inteligência artificial generativa entra na equação — e muitos editores, ansiosos para não ficarem para trás novamente, estão apressando-se para utilizar essa tecnologia.
A adoção da IA na mídia impressa
Várias publicações de destaque, incluindo The Atlantic, formaram parcerias empresariais com a OpenAI e outras empresas de IA. Diversos experimentos surgiram: editores têm utilizado softwares para traduzir textos, redigir títulos e até mesmo escrever resumos ou artigos completos. No entanto, uma das iniciativas mais ousadas surgiu do jornal italiano Il Foglio, que, a partir de março, publicou diariamente um suplemento de quatro páginas com artigos e manchetes gerados por IA. O editor-chefe, Claudio Cerasa, pediu ao ChatGPT que produzisse textos sobre vários tópicos, como política italiana e debates fictícios.
Uma abordagem inovadora
O projeto, denominado Il Foglio AI, rapidamente atraiu a atenção internacional, com cobertura de jornais ao redor do mundo. “É impossível esconder a IA”, afirmou Cerasa em uma entrevista recente. “Você tem que entender que é como o vento; você precisa saber como gerenciá-la.” Agora, com uma circulação de cerca de 29 mil cópias por dia, além de atender sua audiência online, o Il Foglio planeja incluir conteúdo gerado por IA de forma permanente, com uma seção semanal dedicada ao tema.
A abordagem do Il Foglio é clara e transparente: artigos naturais e artificiais são claramente diferenciados. Enquanto isso, outras publicações misturam redações de IA e humanas sem muita divulgação, o que pode gerar confusões e erros. Recentemente, ao menos dois grandes jornais regionais americanos publicaram um projeto recheado de erros e informações inventadas, em um exemplo embaraçoso sobre os riscos da utilização da IA na jornalismo.
Os desafios da incorporação da IA
Com tantos desafios evidentes, decidi conversar com Cerasa para entender melhor sua experiência com a IA no jornalismo. Em uma conversa via Zoom, ele pintou um retrato inquietante, mas otimista, de sua vivência com a tecnologia. Apesar de suas falhas, ele reconhece que a IA pode produzir textos que, em certos momentos, soam mais naturais do que os escritos por jornalistas humanos. “Qualquer um que tente usar a IA para substituir a inteligência humana acaba falhando”, declarou Cerasa. “A IA é destinada a integrar, não a substituir.”
Ele observa que a IA pode beneficiar o jornalismo apenas se for tratada como um novo colega, que necessita de supervisão. O erro talvez resida em tentar usar a IA como uma substituta do trabalho humano. Para Cerasa, “qualquer um que pense que a IA é uma maneira de economizar dinheiro está se enganando”, ressaltando que a ansiedade econômica no campo jornalístico é prevalente. Um novo colega robô pode significar menos empregos para jornalistas humanos.
O caminho a seguir
Durante a conversa, Cerasa compartilhou alguns aprendizados importantes de sua experiência. Ao realizar um experimento em que artigos escritos por IA eram publicados de forma oculta, ele pôde perceber que algumas de suas produções eram indistinguíveis das escritas por humanos. “Aprendemos a criar melhores diretrizes para a IA”, afirmou. Procedimentos como a definição clara de tópicos, estilos e estruturas ajudaram tanto a IA quanto os redatores humanos a melhorarem suas produções.
“Quando você começa a usar a IA de maneira transparente, você ganha um assistente pessoal”, comentou Cerasa, enfatizando que a IA é uma nova ferramenta que pode transformar a maneira como o jornalismo é feito. Apesar dos avanços, ele destaca que a IA ainda não é capaz de descobrir notícias ou desenvolver fontes. A interação humana, criatividade e a capacidade de formular conexões complexas continuam a ser dominâncias do jornalismo tradicional.
A educação como chave para o futuro
Por fim, Cerasa conclui que, embora a presença da IA apresente desafios, também traz oportunidades inovadoras para o setor. “Devemos educar as pessoas a usar a tecnologia de maneira correta e sem preconceitos”. Em seu jornal, não há receio da IA, pois eles confiam em suas habilidades únicas. Contudo, muitos outros veículos podem sentir medo, uma vez que o jornalismo tradicional pode estar se transformando rapidamente.
Esta conversa nos leva a refletir sobre o futuro do jornalismo em um mundo onde a IA não é apenas uma ferramenta, mas também um novo participante na arena informativa.