Nos últimos dez anos, o Brasil foi palco de um preocupante cenário em relação às infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) entre as comunidades indígenas. De acordo com dados obtidos pelo Metrópoles via Lei de Acesso à Informação (LAI), foram registrados 13.563 casos entre 2015 e 2024, resultando em 119 óbitos. A análise estatística indica que as mulheres e os jovens indígenas são os mais afetados por essas condições, evidenciando um problema de saúde pública que merece atenção.
A evolução das ISTs entre os indígenas
O levantamento revela um aumento alarmante nos diagnósticos, com um salto de 83% entre 2017 e 2018, quando foram registrados 2.299 casos — o maior índice do período. Embora tenha havido uma ligeira queda nos números nos anos seguintes, com 1.186 casos confirmados em 2023, a taxa permanece elevada e preocupante.
Entre os tipos de infecções mais frequentes, destacam-se a sífilis, a tricomoníase, diversas hepatites e herpes. Somente a sífilis não especificada contabilizou 2.966 casos no intervalo de dez anos. Os riscos associados a essas infecções são particularmente sérios, especialmente para gestantes, podendo resultar em má-formação do feto e até morte fetal, além de complicações durante o parto.
Distribuição por gênero e idade
Os dados revelam que 60% dos casos (8.131) ocorreram em mulheres, enquanto 5.432 foram registrados em homens. Além disso, a situação é mais alarmante entre jovens indígenas, principalmente na faixa etária de 15 a 44 anos, que somam 9.800 diagnósticos confirmados ao longo da década.
Os estados mais afetados
O Amazonas lidera o ranking dos estados com maior número de casos, totalizando 4.750 infecções. Seguem-se Mato Grosso do Sul (2.125), Roraima (914), Rio Grande do Sul (816) e Mato Grosso (697). O Amazonas também abriga a maior concentração de população indígena do Brasil, com aproximadamente 490.854 pessoas, o que pode explicar os números alarmantes.
Desafios estratégicos e políticas públicas
A antropóloga Sílvia Guimarães, professora da Universidade de Brasília (UnB), destaca que a desestruturação das políticas indígenas nos últimos anos impactou diretamente na disseminação de doenças e no controle dessas infecções. “É fundamental que o Estado invista em ações de prevenção e diagnósticos precoces nas comunidades”, afirma.
Além do cuidado com a saúde, a especialista enfatiza as consequências das invasões territoriais, que podem levar à introdução de doenças nessas populações vulneráveis. “As invasões provocam não apenas infecções sexualmente transmissíveis, mas também uma série de outras doenças e nutrição deficiente”, complementa Guimarães.
Óbitos e medidas de controle
As ISTs levaram à morte de 119 indígenas nos últimos 10 anos, sendo 72 casos relacionados ao HIV e 43 a diferentes tipos de hepatite. O pico de óbitos ocorreu em 2016, com 19 registros. Contudo, a situação parece estar mudando, com os números em declínio nos últimos anos.
Conforme o Ministério da Saúde, houve uma redução de 38% nos casos de ISTs entre povos indígenas entre 2019 e 2024. A Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) tem promovido ações para combater essas infecções, incluindo a ampliação da vacinação e a oferta de testes rápidos para HIV e sífilis, com um total de 461 mil testes para HIV, 376 mil para sífilis, 400 mil para hepatite B e quase 300 mil para hepatite C enviados às regiões afetadas.
A importância da vacinação
O Ministério da Saúde também observou um aumento significativo nas taxas de vacinação. Entre os dados mais relevantes, destaca-se a imunização contra hepatite A em crianças menores de 5 anos, que subiu de 89,5% para 92,2%. Para hepatite B, a cobertura passou de 89,3% para 94,6%, e a vacinação contra o HPV em meninas de 9 a 14 anos teve um aumento de 73,2% para 89,5%.
Essas iniciativas são essenciais para garantir a proteção da saúde indígena, que enfrenta riscos significativos devido a condições socioeconômicas e ambientais. O controle de ISTs é uma questão urgente que requer ações contínuas e eficazes, em colaboração entre a sociedade e o Estado, com foco na promoção da saúde e bem-estar destas comunidades vulneráveis.