A Cracolândia, uma das áreas mais emblemáticas do combate ao uso de drogas em São Paulo, revelou novos desdobramentos em sua complexa narrativa. A Justiça de São Paulo decidiu que a Prefeitura deve preservar as imagens capturadas por câmeras de vigilância na região, entre os dias 1º e 14 de maio de 2025. Esse período coincide com a época em que a área apresentou uma súbita e polêmica diminuição de usuários, o que gerou preocupações sobre possíveis abusos de autoridade por parte da Guarda Civil Metropolitana (GCM).
Imagens de agressões e o pedido de investigação
A determinação judicial, proferida pela juíza Juliana Brescansin Demarchi Molina, surgiu em resposta a um pedido da Defensoria Pública e do Ministério Público de São Paulo. Os órgãos querem investigar se houve ilegalidades nas ações da GCM, que foram filmadas em momentos de confrontos com usuários e comerciantes da região. As imagens, que foram obtidas com exclusividade pelo portal g1, mostram episódios de violência nos dias 10, 11 e 12 de maio, onde agentes agrediram tanto usuários de drogas quanto comerciantes locais com chutes, socos e cassetetes.
Com caráter de urgência, o pedido inclui a preservação das gravações do sistema SmartSampa, que é conhecido por deletar automaticamente as imagens após 30 dias. Essa urgência se torna ainda mais relevante considerando que as evidências podem não estar disponíveis por muito mais tempo, dada a natureza do armazenamento digital.
A Cracolândia e o “sumiço” dos usuários
Na manhã de 13 de maio, a Cracolândia amanheceu desprovida de qualquer presença de usuários, gerando inquietações e especulações sobre a real motivação por trás desse “sumiço”. No dia anterior, as gravações mostraram GCMs, acompanhados por outras equipes, atacando um grupo de usuários na Rua Mauá. A situação levantou questões sobre os métodos usados pela autoridade local para “limpar” a área, uma prática que muitos alegam ter se intensificado nos meses que antecederam o evento.
Entrevistas com comerciantes locais confirmaram relatos de aumentos significativos nas agressões por parte da GCM, com alguns comerciantes afirmando que foram vítimas de agressões também. “Eles estão expulsando as pessoas a qualquer custo. É um verdadeiro abandono,” afirmou um comerciante que decidiu se manter anônimo por medo de represálias.
Uso de forças inapropriadas e a resposta da Prefeitura
Denúncias de uso inadequado da força, incluindo spray de pimenta e ameaças com armas, foram feitas por usuários que estavam na Cracolândia. Um deles relatou, em entrevista, que foi ameaçado de morte por um GCM e, segundo ele, muitos que foram colocados em viaturas durante os conflitos simplesmente “desapareceram”.
O secretário de Segurança Urbana, Orlando Morando, por sua vez, defendeu a operação, afirmando que a composição da região mudou para melhor, mas a luta contra o tráfico de drogas ainda é um desafio constante. Enquanto isso, a Prefeitura reafirma que a GCM atua em parceria com outras forças de segurança e prometeu investigar as eventuais condutas inadequadas mencionadas.
Impactos sociais e a política de combate às drogas
A intervenção na Cracolândia também levanta questões sobre as políticas de saúde e atendimento social destinadas a dependentes químicos. Com a ausência de tráfico na área, a administração municipal argumenta que há uma oportunidade única de encorajar os usuários a buscarem tratamento, como evidenciado pelo aumento no número de indivíduos que solicitaram ajuda nas semanas seguintes às operações.
Conflitos e propostas de solução
Especialistas em políticas públicas e direitos humanos criticam a abordagem centrada na repressão. A história da Cracolândia evidencia a necessidade de um modelo mais inclusivo que priorize a saúde e o bem-estar da população, ao invés de ações violentas. Um promotor de justiça, Fabio Bechara, caracterizou os usuários como vítimas do sistema e destacou a necessidade de estratégias que não apenas excluem, mas também reabilitam essas pessoas.
O futuro da Cracolândia permanece incerto, mas a preservação das imagens pode ser um passo vital para garantir que as operações de segurança pública sejam realizadas de maneira ética e responsável. À medida que a sociedade debate as melhores práticas para lidar com a questão das drogas, a esperança é que se encontre um equilíbrio que respeite os direitos humanos e promova a dignidade de todos os envolvidos.
A situação na Cracolândia é um microcosmo dos desafios que muitas cidades enfrentam no combate ao uso de drogas e à criminalidade. A investigação em andamento pode abrir oportunidades para um diálogo mais significativo sobre como abordar a questão das drogas em São Paulo e no Brasil, de maneira mais eficaz e humana.