Até hoje, muitos discutem a veracidade e o impacto do filme “Anora”, dirigido por Sean Baker e estrelado por Mikey Madison, que conta a história de uma stripper que se casa com um herdeiro russo. Apesar de sucesso crítico e de premiações como cinco Oscars, as opiniões de quem trabalha na indústria do sexo variam bastante.
Reações variadas de profissionais do sexo
Enquanto alguns profissionais elogiaram a produção por sua pesquisa e abordagem, outras expressaram forte insatisfação. Emma*, uma acompanhante e dançarina de Manhattan com dois anos de experiência, foi uma dessas pessoas. Ela contou que sentiu muita raiva ao analisar o filme, principalmente por algumas representações que considera distorcidas.
Precisão nas cenas iniciais
Para Emma, as primeiras cenas no clube eram bastante fiéis à realidade. “Quando assisti, fiquei entediada — acho que isso mostra que eram precisas, porque parecia que eu estava no trabalho”, afirmou. Essa autenticidade inicial deu a ela a impressão de que a história poderia refletir a vida real.
Conflitos na representação das relações
Ela se incomodou, no entanto, com a cena em que Ani, a personagem principal, pergunta a Vanya se eles podem fazer sexo novamente enquanto ele já havia sido pago por uma hora de serviço. “Quando tive essa reação, vi que eles realmente não entendem a dinâmica do nosso trabalho”, explicou. “No nosso mundo, não tentaríamos fazer mais do que o pago.”
Emma também criticou a cena em que as colegas de clube comemoram a noiva com embaraço, sem levantar dúvidas sobre sua independência financeira. “Nada disso aconteceria assim na vida real. Nossas decisões são baseadas na autonomia, nada de depender de homens que não sustentam a gente.”
Representação de Ani e a romantização do trabalho
Ela ressaltou que, ao mostrar Ani como extremamente “hot” e sexualizada, o filme parece um produto do desejo masculino. “Quando ela começa a se comportar de forma muito sexual, parece um sonho de homem, uma fantasia de como eles imaginam nossas vidas. Na verdade, quanto mais tempo passamos com alguém, mais assumimos nossa verdadeira identidade fora do trabalho.”
Emma acredita que essa representação reforça a ideia de que o sexo no setor é uma extensão do trabalho, impulsionada por dinheiro. “Se ela continua a trabalhar, ela está pensando no pagamento. Isso faz com que pareça que ela só quer dependência financeira, o que não é verdadeiro na nossa rotina.”
A falsidade do amor na narrativa
Ela também criticou a cena em que Ani se apaixona por Vanya, destacando que essa é uma imagem irreal. “Ela acha que esse menino vai querer ficar com ela, mesmo tendo acabado de conhecê-la em um clube. Essa é uma percepção fantasiosa, que alimenta uma narrativa de ingenuidade que não existe na nossa experiência.”
Para Emma, há uma distorção na ideia de que clientes “bonzinhos” e que parecem diferentes na primeira conversa realmente se importam. “Eles pensam que somos capazes de nos apaixonar facilmente por alguém que é, na verdade, só mais um cliente — isso é fantasia.”
Reflexões sobre o final do filme
Ela criticou o desfecho emocional na cena do carro, onde a personagem principal lida com a dor. “Muita gente acha que mostrar sofrimento é uma boa representação, mas, na minha experiência, nossa dor não vem da sexualidade, e sim da insegurança financeira e da falta de respeito.”
“A história mostra que, mesmo que alguém seja ‘bonzinho’, isso não cria uma necessidade real de se envolver emocionalmente”, completou Emma, reforçando que ela preferiria que a personagem tivesse jogado o telefone de Igor no lixo no final.
Críticas às representações de gênero e às mentiras visuais
Emma também destacou que a representação de uma “garota triste” ou emocionalmente vulnerável é um clichê que reforça uma fantasia masculina. “Não acredito que, porque ela pareça triste, ela seja uma boa representação de alguém na nossa profissão.”
Ela acredita que muitas dessas cenas reforçam uma narrativa sensacionalista e distorcida, que transforma a experiência do sexo comercial em um drama impróprio para quem trabalha na área.
O que permanece verdadeiro na indústria
Apesar da crítica, Emma reforça que há aspectos autênticos na rotina de quem trabalha na indústria do sexo, especialmente o ambiente de solidariedade entre as colegas. “O que me mantém nesse trabalho até hoje são as pessoas ao meu redor, que são brilhantes e fortes.”
“A maior metáfora da filme é como o dinheiro, o prestígio e o reconhecimento são explorados para alimentar um retrato masculino de desejo e sofrimento que não condiz com a realidade de muitas de nós”, ela concluiu.
*Nome fictício para proteger a identidade.