Após o interrogatório dos oito réus do chamado “núcleo crucial” da ação penal da trama golpista, no qual o ex-presidente Jair Bolsonaro admitiu que discutiu com comandantes das Forças Armadas alternativas à sua derrota eleitoral de 2022, especialistas avaliam que um dos pontos centrais do julgamento será se a reunião já configurou uma primeira etapa da execução do plano golpista. Para juristas, os fatos analisados podem configurar o início dos crimes. Ressaltam, porém, que ainda é preciso esperar as alegações finais da Procuradoria-Geral da República (PGR) e das defesas, uma vez que cada uma das partes irá tentar convencer os magistrados.
Crimes e seus impactos legais
Entre os cinco crimes aos quais Bolsonaro e os outros réus respondem estão os de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e o de golpe de Estado. O Código Penal define que os dois tipos penais ocorrem a partir da tentativa, respectivamente, de restringir o exercício dos Poderes constitucionais e de depor o governo legitimamente constituído.
Breno Melaragno, professor da PUC-RJ, afirma que os ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) terão que definir quando começa essa tentativa. Para ele, as articulações narradas mostram que os réus foram além de cogitações:
“Eu acho que quando há uma articulação política, composta de conversas, reuniões, elaboração de documento, acho que eles praticaram os primeiros atos de execução do crime. Não tenho dúvida. Não é mais cogitação.”
Discussões entre os militares e a recusa ao golpe
Na mesma linha, o professor Taiguara Libano, do Ibmec-RJ, ressalta que o plano golpista não foi à frente não pela desistência dos envolvidos, mas pela recusa dos ex-comandantes Carlos de Almeida Baptista Júnior (Aeronáutica) e Marco Antônio Freire Gomes (Exército) em aderir à proposta do então presidente:
“Como é que se configura a tentativa? Quando o agente se coloca diante do seguinte cenário: quero prosseguir, mas não posso. Me parece que é o que se vislumbra em relação aos réus nessa ação penal.”
Depoimento e alegações de Bolsonaro
Em depoimento de pouco mais de duas horas, Bolsonaro admitiu ter tratado com oficiais de alta patente sobre a possibilidade de adotar instrumentos como o estado de sítio ou a chamada Garantia da Lei e da Ordem (GLO), mas negou a tentativa de dar um golpe. Segundo o ex-presidente, as medidas foram descartadas e não havia “clima”, “oportunidade” e “base minimamente sólida para qualquer coisa”.
Pierpaolo Bottini, professor da USP, ressalta que é preciso analisar todas as provas do processo, mas considera que a demonstração de uma intenção de ruptura com a democracia já configuraria as reuniões com os comandantes como o início da execução dos crimes:
“Eu entendo que se ficar demonstrado que aquilo que eles estavam discutindo era um ato de ruptura com a democracia…”
Complexidade da situação de Bolsonaro perante os réus
Gustavo Justino de Oliveira, também professor da USP, considera que a situação de Bolsonaro é mais complicada do que a de outros réus, e que o ex-presidente chegou perto de admitir os fatos que são atribuídos a ele quando falou sobre as reuniões com os comandantes:
“Acho que sim (está configurado o crime em relação a Bolsonaro), mas talvez não para todos os autores.”
Por outro lado, Thiago Bottino, professor da FGV-RJ, afirma que prefere esperar as alegações finais, para chegar a uma conclusão, e que cada uma das partes irá tentar convencer os julgadores sobre sua interpretação dos fatos:
“Como (o Código Penal) diz ‘tentar’, o que ele vai exigir é que você tenha realizado algum ato capaz de levar àquele resultado.”
Próximos passos no julgamento e implicações
Com o encerramento da fase de interrogatórios, os oito réus poderão se manifestar sobre eventuais novas diligências. A expectativa no STF é que a ação esteja pronta para ser julgada no início do segundo semestre, e que a análise possa ocorrer entre os meses de setembro e outubro. Além do relator, ministro Alexandre de Moraes, participarão do julgamento os outros quatro integrantes da Primeira Turma, os ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia. Eles decidirão pela condenação ou absolvição dos réus.
Em março, a Primeira Turma aceitou uma denúncia feita pela República (PGR) e tornou réus Bolsonaro e outras 33 pessoas. Após o recebimento da ação, testemunhas foram ouvidas, incluindo o vice-presidente da gestão Bolsonaro, o senador Hamilton Mourão e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.