As recentes internações de estudantes da Unesp em Jaboticabal, São Paulo, devido a um coma alcoólico após um trote, levantam preocupações sobre a cultura de abusos nas universidades. Os eventos de 25 de maio não são um caso isolado, mas uma repetição de práticas que se perpetuam sob o manto de tradições acadêmicas nocivas.
O que ocorreu na festa da Unesp
Durante uma festa conhecida como “Festa dos 100 dias”, calouros foram forçados a consumir grandes quantidades de álcool, além de ingestão de alimentos como alho e cebola, em troca de pulseiras que garantiriam sua participação. Este ritual abusivo culminou na internação de sete estudantes, dois dos quais foram hospitalizados em UTI devido aos altos níveis de álcool no sangue. A ocorrência gerou um clamor por justiça e reforma, uma vez que as práticas abusivas não são um fenômeno novo, mas sim um reflexo de uma cultura enraizada nas relações acadêmicas brasileiras.
As raízes da violência simbólica
Especialistas, como o coordenador do Observatório de Violência e Práticas Exemplares da USP, afirmam que a coação dos calouros por veteranos não é mais do que uma forma de violência simbólica justificável por um suposto rito de passagem. Muitos veteranos que perpetuam essa violência o fazem por terem passado por experiências similares, o que gera um ciclo vicioso de abusos.
“São relações de poder que acabam justificadas como tradições, mas que encobrem comportamentos abusivos”, explica o especialista. Nesta cultura, aceitação e pertencimento ao grupo tornam-se obrigações, levando os calouros a sacrificar sua integridade em busca de aceitação.
Pressões enfrentadas pelos estudantes
Ao ingressar na universidade, muitos alunos se deparam com uma série de pressões que podem intensificar sua vulnerabilidade. Desde a competição por bolsas de estudo até as expectativas familiares, a pressão por desempenho é constante. O psicólogo Kodato menciona que as diferenças sociais entre os estudantes também contribuem para um ambiente de competição e ansiedade, onde os comportamentos preconceituosos e estereotipados se manifestam.
Além da competitividade, a postura autoritária de alguns professores perpetua essa cultura. Muitos docentes, por conta de uma herança da Ditadura Militar, aplicam métodos que legitimam trotes e outras formas de bullying, tornando o ambiente acadêmico ainda mais hostil. “A pressão vem não só de colegas, mas também de professores e da própria instituição”, alerta Kodato.
Pertencimento e o ciclo de dominação
O desejo de pertencimento é outro fator que leva calouros a aceitarem a violência simbólica. Muitos jovens acreditam que, para serem aceitos, precisam se submeter a estas práticas. O professor da USP menciona que esta dinâmica não se limita a trotes, mas se estende a todos os rituais acadêmicos que exigem conformidade às normas da instituição. O resultado é um ambiente onde a pressão para se adaptar a um grupo torna-se uma norma.
Quando os calouros se tornam veteranos, muitos replicam esse ciclo, perpetuando abusos. “Exercer o poder proporciona um certo prazer a eles”, ironiza o professor. Este fenômeno é alarmante e ressalta a necessidade urgente de uma mudança estrutural nas universidades.
O que pode ser feito?
Para combater essas práticas abusivas, as instituições de ensino precisam ir além de campanhas informativas. É fundamental que disponibilizem canais de denúncia seguros e apoio psicológico para os estudantes. O professor enfatiza a importância de um ambiente onde os alunos sintam-se seguros para denunciar sem medo de represálias.
Os próprios estudantes também desempenham um papel crucial neste processo. Eles devem buscar formas saudáveis de socialização e participar de iniciativas que discutam questões como saúde mental e pressões acadêmicas. “É vital que busquem sua autonomia durante o curso”, conclui Kodato.
Conclusão
O caso da Unesp em Jaboticabal é um chamado à ação. As instituições precisam abraçar a responsabilidade de transformar suas culturas, promovendo respeito e dignidade entre todos os alunos. A mudança deve começar agora, para que os estudantes não apenas sobrevivam, mas prosperem em um ambiente acadêmico saudável e acolhedor.