Desde que Jay Bhattacharya foi nomeado por Donald Trump como diretor do National Institutes of Health (NIH), ele tem promovido uma cultura de contestação dentro da instituição. Reconhecido como um economista da saúde e um proeminente crítico das políticas de COVID-19, Bhattacharya prometeu em sua audiência de confirmação em março que incentivaria diferentes perspectivas e daria voz a cientistas, incluindo aqueles que discordam dele. Porém, dois meses após sua nomeação, a realidade é que essa promessa enfrenta significativos desafios internos.
A carta de protesto dos funcionários do NIH
Mais de 300 funcionários de diversas unidades do NIH assinaram a chamada Declaração de Bethesda, um manifesto que condena as mudanças implementadas sob a nova administração e pede a reversão de políticas que, segundo eles, têm colocado a agência em estado de caos. Desde janeiro, a agência foi forçada a demitir milhares de funcionários e cortar ou suspender o financiamento de inúmeros projetos de pesquisa, resultando em um orçamento drasticamente reduzido que está sob a ameaça de um corte de 40% proposto. Amanhã, Bhattacharya deverá se apresentar em um subcomitê de apropriações do Senado para discutir essa situação crítica.
A Declaração de Bethesda faz referência a um documento anterior, a Declaração de Great Barrington, que Bhattacharya co-assinou em 2020. Esse documento, defendendo a reabertura da sociedade durante o auge da pandemia, foi duramente criticado por especialistas em saúde pública e organizações como a Organização Mundial da Saúde. Os autores da nova declaração esperam que Bhattacharya reflicta sobre as inquietações expressas e consiga restaurar a missão central do NIH, que é avançar na saúde pública e pesquisa científica.
A cultura do medo e a resistência interna
Para muitos funcionários do NIH, essa é uma situação sem precedentes. Até agora, poucos se lembram de um momento em que o corpo de colaboradores expressou tanto descontentamento em relação à liderança. A cientista Sarah Kobrin, chefe de uma divisão no National Cancer Institute, afirmou que era hora de falar abertamente. “Estamos vendo um afastamento de nossa missão central”, disse ela. “Sinto que nossos esforços estão sendo desviados para um embate político em vez de focar na pesquisa.”
Em resposta à situação, Bhattacharya disse que a Declaração de Bethesda contém conceitos equivocados sobre a direção que o NIH tem tomado. O secretário do HHS também defendeu as mudanças, alegando que a agência está “removendo influências ideológicas do processo científico” e promovendo maior transparência. Contudo, a realidade vivida pelos funcionários aponta para uma erosão do que deveria ser um ambiente de pesquisa baseada em evidências, com muitos projetos sendo cancelados não por falta de mérito, mas por razões políticas.
Impactos duradouros nas pesquisas
Historicamente, o NIH, que possui um orçamento de quase 48 bilhões de dólares, é o maior financiador público de pesquisas biomédicas do mundo. No entanto, desde o início de 2025, os cancelamentos de subsídios se tornaram frequentes, resultando em uma cultura de medo entre os empregados. Funcionários relataram que estão investindo tanto tempo na rescisão de subsídios quanto na concessão de novos, o que compromete seriamente a continuidade de projetos vitais para a saúde pública.
Enquanto isso, os esforços para contrabalançar essa crise têm sido ineficazes. As reuniões internas têm incentivado questionamentos sobre as direções políticas, mas há uma sensação crescente de que as vozes dos cientistas estão sendo ignoradas. Vários funcionários têm participado de vigílias em Bethesda, simbolizando a perda de conhecimento e vidas devido aos cortes realizados. O clima predominante é de que a administração se afastou de sua finalidade científica e começou a agir mais como um braço político do governo.
O futuro incerto do NIH e suas pesquisas
Ainda que alguns cientistas esperem que Bhattacharya, como um acadêmico, compartilhe valores comuns com eles, há um ceticismo prevalente sobre a capacidade dele de resistir às pressões políticas. Muitos funcionários acreditam estar localizados dentro de uma “cultura de medo”, onde as vozes dissidentes podem custar caro em termos de carreira e reputação. Bhattacharya, que apenas recentemente assumiu o cargo, pode não ter a influência para reverter as decisões tomadas por seu antecessor, fazendo com que a situação atual pareça ainda mais crítica.
Neste cenário conturbado, o NIH enfrenta um dilema fundamental: encontrará o apoio necessário para retomar seu papel como líder em pesquisa científica, ou continuará sendo um instrumento de lutas políticas? As próximas semanas e meses serão cruciais para determinar não apenas o futuro do NIH, mas também a saúde pública dos Estados Unidos.