O depoimento de Jair Bolsonaro no julgamento do golpe não trouxe a esperada confrontação com o ministro Alexandre de Moraes. Aqueles que aguardavam uma disputa acirrada e argumentos novos da defesa se sentiram desapontados com a abordagem amigável entre o ex-presidente e o relator. Em vez de embates, o que se viu foi um Bolsonaro cauteloso, buscando evitar qualquer provocação futura que pudesse comprometer sua defesa ao longo do processo.
A cordialidade entre os protagonistas do depoimento
Durante a audiência, a postura dos dois principais envolvidos surpreendeu. Enquanto Moraes estava sereno e bem-humorado, permitindo que Bolsonaro se expressasse livremente, o ex-presidente buscava não deixar brechas para ataques ou questionamentos. Em um tom até brincalhão, Bolsonaro chegou a “convidar” Moraes para ser seu vice, uma tentativa clara de suavizar a tensão que sempre permeou suas interações. Esse tom amigável contrastou com os momentos de hostilidade e tensão que os dois já haviam compartilhado anteriormente.
Apesar da expectativa por confrontos diretos, não houve espaço para isso. O depoimento é uma oportunidade para o réu apresentar sua versão dos fatos, e Moraes, ciente disso, evitou questionar o ex-presidente de forma incisiva. Isso tirou a chance de ver um embate mais intenso, embora essa postura tivesse sua lógica em um contexto de defesa.
Os pontos fracos na argumentação de Bolsonaro
Embora não tenha havido confronto, o conteúdo das falas de Bolsonaro foi criticado por sua falta de novidades. Ao longo de mais de duas horas, ele reiterou alegações já refutadas relacionadas ao golpe e ao suposto cerceamento à democracia. Bolsonaristas que esperavam uma narrativa convincente saíram frustrados, pois o ex-presidente acabou relembrando eventos amplamente discutidos e que formam a base da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR).
A legitimidade das alegações do ex-presidente
Dentre os pontos controversos mencionados, Bolsonaro fez referência à investigação da Polícia Federal sobre um ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018. Ao associar esse incidente à vulnerabilidade das urnas eletrônicas, ele reafirmou uma mentira que tem circulado amplamente, levando Moraes a intervir para esclarecer que não havia qualquer conexão entre o inquérito e a integridade do sistema de votação brasileiro.
Essa intervenção destacou a necessidade de separar fatos de narrativas que podem induzir à desinformação. Moraes, preocupado em não deixar esse equívoco passar batido, fez questão de deixar claro aos presentes que não havia fundamentação para as alegações eleitorais de Bolsonaro.
Uma versão questionável do passado
Embora o ex-presidente tenha afirmado que estava apenas consultando os comandantes das Forças Armadas sobre a legalidade de questionar os resultados da eleição, essa explicação não se sustentou diante de outras evidências e declarações. Por exemplo, Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, contradisse essa narrativa, afirmando que havia discussões sobre como reverter o resultado eleitoral.
Surpreendentemente, essas contradições não foram exploradas no depoimento. Bolsonaro não se sentiu compelido a esclarecer essas lacunas ou a contradizer diretamente as evidências apresentadas por Cid e outras fontes. Essa falta de clareza deixou muitas questões sem resposta e permitiu que seu testemunho permanecesse vago e impreciso.
O impacto a longo prazo e as repercussões políticas
O dia do depoimento, embora marcado por um clima de cordialidade, deixou muitas lacunas na narrativa de Bolsonaro. O ex-presidente utilizou a estratégia de reinterpretar fatos e não respondeu diretamente a diversas perguntas que poderiam esclarecer sua posição. Para alguns observadores, isso poderá influenciar suas futuras interações com a Justiça e a percepção pública sobre sua sinceridade e retidão.
Além das tentativas de humor e de afrouxar as tensões, a audiência teve seu próprio momento reflexivo. Quando Bolsonaro afirmou que “não havia clima” para um golpe, muitos se perguntaram se essa poderia ser uma justificativa para ações passadas. O que aconteceria se o clima fosse favorável? Essa dúvida persiste e poderá continuar a ressoar nas discussões políticas brasileiras.
Embora o depoimento não tenha gerado reviravoltas legais imediatas, ele certamente terá repercussões nas percepções públicas e na continuidade do processo judicial. Especialistas e analistas políticos continuarão a acompanhar atentamente cada novo desenvolvimento relacionado a este caso e suas implicações para o futuro político do Brasil.