No primeiro dia de interrogatório dos réus da ação penal referente ao plano golpista, a defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro buscou, nesta segunda-feira, contradizer o depoimento do tenente-coronel Mauro Cid. Como ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Cid foi ouvido sob a condição de “réu delator”, o que incentivou uma série de questionamentos sobre o papel do ex-presidente nos acontecimentos de 8 de janeiro.
Contradições no depoimento de Mauro Cid
Durante o interrogatório, o advogado de defesa, Celso Vilardi, questionou Cid sobre se ele tinha alguma “informação antecipada” sobre o que ocorreria no dia 8 de janeiro. O tenente-coronel respondeu que não e destacou uma frase frequentemente repetida por Bolsonaro no final de 2022, afirmando que “não agiria fora das quatro linhas da Constituição”. Para a defesa, isso sugere que o ex-presidente não estava envolvido em qualquer plano golpista, contrabalançando a narrativa da Procuradoria-Geral da República (PGR), que sustenta a existência de um plano para desestabilizar a democracia.
Apoio ou distanciamento? O papel de Bolsonaro
Ainda durante o interrogatório, Vilardi indagou se Bolsonaro “mobilizou” grupos golpistas que se acampavam em frente aos quartéis pedindo por uma intervenção militar. Cid respondeu: “Uma coisa que o presidente falou, quando vinha esses grupos mais conservadores: ‘não fui eu que chamei eles aqui, não sou eu que vou mandar eles embora’”. Esta afirmação aponta para uma postura ambígua do ex-presidente, que, segundo Cid, não teria concretamente apoiado as manifestantes.
Na sequência, quando questionado sobre se Bolsonaro havia expressado a ideia de “achar uma fraude para assinar um decreto”, Cid negou que tal conversa tivesse ocorrido, embora tenha afirmado anteriormente que o ex-presidente “sempre buscou fraudes nas urnas” para “convencer as Forças Armadas a fazer alguma coisa”. Esta contradição no depoimento levanta questões sobre a credibilidade do ex-ajudante de ordens.
Investigação e delação premiada
Outro ponto crítico abordado foi a legalidade do acordo de delação premiada de Cid. Vilardi perguntou se ele havia falado com qualquer pessoa investigada ou jornalistas sobre o acordo, o que poderia invalidá-lo. Cid negou, mas o advogado insistiu, mencionando um perfil em redes sociais com o nome de “gabrielar702”. Cid explicou que “Gabriela” é o nome de sua esposa e reafirmou que não havia conversado com ninguém.
Ele também mencionou que a Polícia Federal apreendeu diversos de seus dispositivos eletrônicos, incluindo nove celulares, três computadores e três iPads de suas filhas. Essa apreensão fortalece a defesa, pois Cid apresentou uma lista extensa dos materiais que foram coletados pelas autoridades policiais.
Áudios reveladores e o futuro do caso
Durante o interrogatório, a defesa apresentou um áudio que, segundo Cid, mostra que Bolsonaro “desistiu de qualquer ação mais contundente” no final de 2022. O conteúdo da gravação indicaria que o ex-presidente operou dentro dos limites da lei, conforme alegado pelo tenente-coronel. Na gravação, Cid explica que Bolsonaro não quis dar ouvidos a sugestões de intervenção feitas por membros do governo, evidenciando uma resistência a ações extremas.
“Ele [Jair Bolsonaro] não quer que ninguém fique pressionando”, afirma Cid no áudio. O tenente-coronel também corroborou que o general Pazuello tentou dar conselhos a Bolsonaro, porém, o ex-presidente não tomou nenhuma iniciativa nesse sentido.
No final do interrogatório, Vilardi questionou Cid sobre a apresentação de um PowerPoint e sobre a reunião com os chamados “kids pretos”, integrantes de forças especiais do Exército, que poderia ter resultado em uma “minuta” do plano. Cid disse que não havia apresentado tal material e nem participado de reunião que tratasse do assunto, fortalecendo a ideia de que não houve um plano formal articulado entre as partes.
O interrogatório de Mauro Cid é apenas o primeiro de muitos passos na busca pela verdade sobre os eventos de 8 de janeiro. À medida que o caso avança, novos detalhes podem surgir, modificando o desdobramento da história política e judicial do Brasil.