Na manhã desta quarta-feira, 4 de junho, a arqueóloga franco-brasileira Niède Guidon faleceu aos 92 anos. Conhecida por suas pesquisas inovadoras que desafiaram a compreensão sobre a ocupação humana nas Américas, Guidon foi a fundadora do Parque Nacional da Serra da Capivara, um dos locais mais importantes para o estudo da pré-história no Brasil. Seu trabalho revolucionou a história do homem americano, levando a Unesco a declarar a Serra da Capivara como patrimônio cultural da humanidade.
Trajetória acadêmica e descobertas
Niède Guidon nasceu em 12 de março de 1933, em Jaú, São Paulo, filha de imigrantes, e se destacou como uma das mais importantes arqueólogas brasileiras. Formou-se em história pela Universidade de São Paulo (USP) em 1959 e obteve seu doutorado em pré-história pela Universidade de Paris em 1975. Durante sua estadia na França como professora, uma viagem ao Brasil revelou um novo mundo: as pinturas rupestres de São Raimundo Nonato, no Sul do Piauí.
Chegando ao Brasil em 1970, Niède se deparou com desenhos rupestres datados de até 30 mil anos, um achado que desafiou as teorias da época sobre a chegada do Homo sapiens às Américas. Sua pesquisa e escavações, realizadas com alunos e colegas, propuseram uma nova teoria: a de que a ocupação humana na América ocorreu muito antes da expansão a partir do Estreito de Bering, datado em cerca de 13 mil anos.
Pioneirismo e criação do Parque Nacional da Serra da Capivara
Em 1978, o trabalho de Niède Guidon atraiu a atenção de biólogos e paleontólogos de todo o mundo, resultando na missão franco-brasileira para estudar a pré-história da região. Essa iniciativa culminou na criação do Parque Nacional da Serra da Capivara em 1979, seguido pela fundação da Fundação do Homem Americano em 1980, destinada a apoiar e financiar as pesquisas na área.
A arqueóloga foi responsável pela revelação de mais de 800 sítios pré-históricos, onde foram encontrados não apenas pinturas rupestres, mas também ferramentas e vestígios dos primeiros habitantes humanos das Américas. As escavações realizadas em abrigos rochosos naturais mostraram a rica história de ocupações humanas muito anteriores ao que se acreditava até então.
Reconhecimento internacional e homenagens
O legado de Niède Guidon foi reconhecido globalmente. Em 1991, devido às suas contribuições significativas, a Unesco reconheceu o Parque Nacional da Serra da Capivara como patrimônio cultural da humanidade. A importância do seu trabalho rendeu-lhe diversas homenagens, incluindo documentários, prêmios e até uma ópera que retratou sua vida e contribuições para a arqueologia.
Em 2020, a arqueóloga foi empossada na Academia Piauiense de Letras, honrando sua influência no campo da ciência e cultura. Um ano depois, em 2021, recebeu o título de Doutora Honoris Causa da Universidade Federal do Piauí (UFPI), reconhecendo mais de 50 anos de contribuição à pesquisa arqueológica no estado.
Ainda em 2024, a nova espécie de ave Sakesphoroides niedeguidonae foi nomeada em sua homenagem, simbolizando a importância da biodiversidade e do trabalho de conservação da pesquisadora no Parque Nacional da Serra da Capivara. Niède Guidon deixou um legado que ecoará nas futuras gerações de arqueólogos e amantes da história.
Últimos reconhecimentos e impacto
Muitos outros projetos e homenagens foram realizados em sua memória, como o lançamento de um documentário que narra sua trajetória e as descobertas feitas na Serra da Capivara. A comunidade acadêmica, assim como o público geral, lamenta a perda de uma figura tão iluminada e dedicada à pesquisa e conservação. Sua vida serve como um poderoso exemplo de como a paixão pela ciência e a preservação da cultura podem impactar positivamente o mundo.
O legado de Niède Guidon transcende a arqueologia e continua a inspirar novas gerações a explorar e valorizar a rica herança cultural e histórica do Brasil.
