O historiador Carlos Fico, uma das principais autoridades no estudo da ditadura militar brasileira, acaba de lançar seu novo livro, intitulado “Utopia autoritária brasileira – como os militares ameaçam a democracia desde o nascimento da República até hoje”. Publicada pelo selo Crítica da editora Planeta, a obra de 381 páginas traz uma análise profunda sobre como, desde 1889 até os recentes conflitos políticos que culminaram no 8 de janeiro de 2023, as grandes rupturas da legalidade constitucional no Brasil foram, direta ou indiretamente, causadas por intervenções militares.
A análise crítica de Fico sobre a política militar
Neste trabalho, Fico não se limita a uma narrativa histórica; ele busca também identificar as continuação de tendências autoritárias que impactam o presente político do país. Em entrevista ao GLOBO, o historiador analisa a militarização do governo Jair Bolsonaro e a série de eventos que levaram à invasão dos prédios públicos em Brasília. Para ele, a solução para evitar novos ataques à democracia envolve uma reforma no artigo 142 da Constituição, que atualmente confere aos militares o papel de garantir os poderes constitucionais.
Rupturas constitucionais e a utopia autoritária
Fico argumenta que a mentalidade militar, que persegue a ilusão de que apenas eles podem governar efetivamente, se formou no final da Guerra do Paraguai (1864-1870). Segundo o historiador, após esse conflito, os militares se enxergaram como mais patrióticos do que os civis, um sentimento que ainda persiste. Ele observa que sempre que os militares assumiram o poder, o estado do governo foi prejudicial tanto para a democracia quanto para as próprias Forças Armadas.
A responsabilidade militar frente à Justiça
Um dos pontos centrais da obra é a discussão sobre o inédito julgamento de militares acusados de golpismo. Fico enfatiza que, ao longo de 136 anos de história republicana, nunca houve punição significativa contra militares envolvidos em atividades golpistas. O fato de que militares estejam agora sendo responsabilizados judicialmente representa um marco e pode, de acordo com ele, encerrar um ciclo de impunidade que permitiu a continuidade de uma cultura autoritária.
A luta contra a anistia para golpistas
Durante a entrevista, Fico também se posiciona contra o perdão a militares que cometeram crimes contra a democracia, ressaltando que não se pode tratar a questão como uma mera tentativa de pacificação nacional. Ele critica a ideia de que o Brasil é um país pacífico, destacando que a história está repleta de violência e repressão política.
O papel da sociedade na preservação da democracia
O autor defende que a população deve estar atenta e participar ativamente na luta pela defesa da democracia. Para Fico, a aprovação de uma emenda que esclareça o papel dos militares é essencial para uma convivência saudável dentro da democracia brasileira, e reforça que os militares devem aprender a respeitar os limites de sua autoridade a partir da Constituição.
Um olhar para o futuro político do Brasil
Finalmente, Fico reflete sobre o impacto que as questões abordadas em seu livro podem ter sobre o futuro do Brasil. Ele acredita que a conscientização sobre a real função dos militares e sua subordinação aos civis é fundamental para garantir um futuro democrático, evitando que a história se repita com novas tentativas de autoritarismo disfarçado.
“A luta é constante”, conclui Fico, “e a história deve ensinar para que não repitamos os erros do passado.” A obra não apenas educa, mas também incita a reflexão sobre o papel da sociedade em garantir que os princípios democráticos sejam mantidos e respeitados, apontando para a necessidade de vigilância e ação contínua frente a qualquer risco de retorno ao autoritarismo.